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PAULO MEDEIROS
NECROLÓGIO
Luiz-Olyntho Telles da Silva

Dia 1º de fevereiro de 2008, sexta-feira. Faleceu, pela manhã, aos 62 anos, Paulo Roberto Medeiros. Um ataque cardíaco, fulminante, levou nosso colega e amigo. Um analisante seu nos conta ter tido na véspera uma boa sessão, inclusive com algumas risadas. Era mesmo do Paulo que ele falava. Um humor fino, quase inglês, era sua marca. Sabia da importância do humor para alcançar a destituição subjetiva. Nele, a Psicanálise de todos os países perde precocemente um de seus principais expoentes, e o Brasil um cidadão exemplar. Seus colegas, das mais diferentes latitudes, perdem um interlocutor ímpar e um mestre que ainda tinha muito a ensinar.

Conheci Paulo Medeiros na Reunião Lacanoamericana de Psicanálise de Buenos Aires. Nos falamos, nos ouvimos, nos cheiramos e nos gostamos. Nossas diferenças nos aproximaram: um, gaúcho, o outro, um homem do sertão, mas um sertão rosiano, topológico, nascido para ser virado do avesso. Aos poucos fiquei sabendo que este simpatizante do agreste pernambucano, estudioso dos jagunços e das veredas, por aí se metera guiado por João Guimarães Rosa. Interessado desde sempre pelas linguagens, cativou-o a linguagem particular do homem do sertão. Menino ainda, possivelmente na mesma cidade em que nasceu, Teresópolis, ou quem sabe já no Rio de Janeiro, Paulo Medeiros foi levado a estudar grego e latim. Depois de uma formação clássica, por estes desvios da vida, viu-se envolvido pela linguagem dos negócios. Trabalhou durante alguns anos como Executivo de uma empresa de cigarros, quando, ainda que por um curto período, morou em Porto Alegre. Foi daí que se decidiu pela Psicanálise. Começou uma análise de orientação lacaniana, e logo passou a ter uma leitura própria dos textos de Lacan. Conhecedor do francês e do inglês, além do espanhol e também do alemão, e com a ajuda de uns quantos colegas - organizados em meio a uma geografia movida pela transferência de trabalho - Paulo Medeiros se dedicou a traduzir os Seminários de Jacques Lacan.

Desenvolveu sua prática em Recife, e aí fundou, no ano de 1992, o Traço Freudiano Veredas Lacanianas, Escola de Psicanálise. Em 1999 o Paulo teve a gentileza de escrever a orelha do meu Freud / Lacan: o desvelamento do sujeito. E quando o livro foi lançado, ele veio a Porto Alegre para apresentá-lo à comunidade psicanalítica. Como esquecer de um colega assim? Deixou-me ainda um texto de apresentação para um novo livro que provavelmente se chamará O paraíso dos amores infantis. E nossas conversas de domingo? Quantas vezes nos chamávamos - Embratel mediante - já tarde da noite, para falar de um caso, uma palavra de difícil tradução, um sentido perdido, uma nova interpretação, uma piada mordaz, nossos escritos, notícias do dia a dia, os macacos e as cobras do seu sítio, em Aldeia. Estivemos aí, dois anos atrás, a Maria da Glória e eu. Almoçamos Galinha à cabidela, preparada com o carinho da Helena, sua esposa, e na companhia da Maria Adelaide Câmara, do Pedro Leonardo de Lucena Rodrigues e de sua querida esposa. Tomamos vinho e ouvimos histórias, naquela casa esparramada por entre as árvores, à sombra dos livros. E descobrimos o bolo de rolo e já não lembro quantas coisas mais, tudo estreitado com bom humor e carinho.

Agora Paulo Medeiros não está mais entre nós. Ficam suas letras. Fragmentos pós-modernos, reflexos do que um dia ele refletiu. Homem de larga cultura, poderão ver - em páginas da internet - como ele trabalhou e deu curso à paixão de Freud por Moisés, por exemplo; verão também aí, entre outras abordagens, sua leitura da influência da obra de James Joyce na de Jacques Lacan. Na página de sua própria escola, o Traço Freudiano Veredas Lacanianas, encontrarão diversos momentos de seu pensamento. No último número da Revista Veredas, publicado por sua Escola (Ano 15, nº 13 - 2007, pp. 105-10), apareceu o seu "Dizer/Escrever d'isso", texto maduro, onde trata da formação do analista, em sua relação com a Escola, mas também em sua relação com a Linguagem, com a língua do Outro.

Consternado com a notícia de seu passamento, encontrei arrimo nas palavras de outro amigo que também já se foi, bem antes, o Poeta Roberto Juarroz:

Estou buscando meus extremos.
Hoje encontrei um:
nesse extremos
importam-me mais as imagens que o homem,
os reflexos que as coisas.

Uma forma que cai como se fosse uma ascensão,
uma pausa acesa,

uma silhueta que dialoga com a neve,
uma palavra suspensa do tempo
como de um cabelo transparente.

E mais: aí não acerto
o perímetro do homem
e caio atrás de seus limites.
E mais: aí apago os nomes
para que a confusão diminua.
E mais: os homens e as coisas

mesmo os próprios deuses,
só me interessam aí como reflexos,
como inesperados reflexos

na imagem da noite que espera.

Eu também.

Que nada interrompa então os reflexos.
Nem eu.


 
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