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Obra
'Terra Mátria' revela o
Thomas Mann 'brasileiro' CASSIANO ELEK MACHADO
DE SÃO PAULO 02/07/2013 Poucos se dão conta, em meio ao zum-zum-zum da Flip, mas uma das famílias mais importantes da literatura moderna mundial começou a não mais do que 10 km da tenda onde se realiza, a partir de amanhã, o festival literário de Paraty. Foi num engenho da cidade que cresceu e viveu a brasileira Julia da Silva-Bruhns Mann (1851-1923), mãe de dois dos maiores autores alemães do século 20, Heinrich e Thomas Mann, avó de escritores como Klauss e bisavó de Frido Mann. Este último é um dos autores de "Terra Mátria", principal estudo já realizado sobre as relações da família Mann com o Brasil, publicado agora pela editora Civilização Brasileira. Coescrita com os pesquisadores Paulo Astor Soethe (brasileiro) e Karl-Josej Kuschel (alemão), a obra será lançada com um debate na quinta-feira, na programação paralela da Flip. O livro, que traz dezenas de documentos inéditos, como cartas de Thomas e de Heinrich, trouxe novidades para os próprios familiares. "Foi na realização do livro que descobri que vovô chegou a pensar em ir ao Brasil", diz à Folha, por telefone, Frido Mann. O "vovô" era Thomas (1875-1955), o maior escritor alemão moderno e autor de romances como "A Montanha Mágica" e "Doutor Fausto". Frido, que esteve 16 vezes no Brasil (e que cancelou sua vinda a esta Flip na semana passada, por motivos pessoais), chama a atenção para uma carta desencavada nas pesquisas do livro. Na correspondência, inédita, e reproduzida em "Terra Mátria", Thomas Mann escreve: "Sempre estive consciente do sangue latino-americano que pulsa em minhas veias e bem sinto o quanto lhe devo como artista. Apenas uma certa corpulência desajeitada e conservadora de minha vida explica que eu ainda não tenha visitado o Brasil". A carta, hoje na Biblioteca Nacional da Áustria, em Viena, fora despachada em 1943 ao bairro de Higienópolis, para Karl Lustig-Prean, jornalista e produtor cultural de origem tcheca que se refugiou do nazismo em São Paulo. Lustig-Prean (1892-1965), um líder do grupo anti-nazista "Movimento dos Alemães Livres do Brasil", manteve correspondência com Thomas (reproduzida na íntegra no livro) e também trocou cartas com seu irmão mais velho, Heinrich. Autor de romances importantes como "O Anjo Azul", Heinrich Mann (1871-1950) chegou a levar a brasilidade da mãe à literatura. Em "Entre Raças" (1907), ele romantiza a infância "tropical" de sua mãe, Julia, filha de um alemão com uma brasileira -- Maria Senhorinha da Silva era a avó materna de Thomas Mann. Julia nasceu na estrada. Os pais se mudavam de uma fazenda em Angra dos Reis (RJ) para outra em Paraty. O casarão onde ela viveu, o Engenho Boa Vista, ainda está de pé (leia texto ao lado). Quando ela tinha 7 anos, o pai, precocemente viúvo, resolveu voltar para a Alemanha. Levou consigo sua prole e a criada brasileira Ana, negra. Como sustenta Paulo Astor Soethe, professor da Universidade Federal do Paraná, a família manteve muitos laços com o país. "O livro conta, por exemplo, como foram os encontros de Thomas Mann com intelectuais brasileiros como Sérgio Buarque de Holanda e Erico Veríssimo e mostra como Gilberto Freyre defendeu a vinda do escritor ao Brasil", afirma Soethe. |
O escritor alemão Thomas Mann
e seu neto Frido, coautor do livro 'Terra Mátria'. Arquivo Frido Mann |