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Língua morta
Rádio finlandesa transmite notícias em latim
John Tagliabue
ZH - 23/04/2013
(THE NEW YORK TIMES NEWS SERVICE)

 

Leah Whittington, professora de inglês em Harvard, ouve os boletins de notícias em seu iPod enquanto caminha lentamente até as salas de aula. Daniel Blanchard, contratenor profissional de Paris, costumava ouvir num rádio de ondas curtas, mas agora ele também usa um iPo.

BBC? NPR? Não, é um resumo semanal de eventos internacionais e notícias transmitido pela rádio estatal finlandesa – não em finlandês, mas em latim clássico. Ninguém sabe exatamente a quantos ouvintes o programa em latim chega. — Centenas de milhares é meu palpite mais arriscado — disse Sami Koivisto, repórter do departamento de notícias da estação. Mas parece claro que a internet está injetando uma vida nova ao latim, frequentemente descrito como sendo uma língua morta.

Não, não há informações de trânsito sobre a Via Ápia, nem a estação designa um repórter político ao Fórum. Mas, nas noites de sexta, antes da transmissão das principais notícias, a Finnish Broadcasting Co. apresenta cinco ou seis notícias curtas em latim. Nas últimas semanas, os assuntos incluíram a crise financeira no Chipre, uma aurora boreal extraordinariamente brilhante e a eleição do Papa Francisco. — Não há nenhum furo de reportagem — Blanchard, de 37 anos, disse recentemente enquanto tomávamos café. — Mas é uma ótima maneira de ouvir as notícias.
Um pedido à emissora nacional francesa para fazer algo parecido, disse ele, não teve nenhuma resposta.
Nem mesmo a Rádio do Vaticano, que transmite algumas orações em latim todos os dias, divulga as notícias na antiga língua.

Tuomo Pekkanen, professor de latim, aposentado, que ajudou a criar o "Nuntii Latini", ou "Noticiário em Latim", como o programa é conhecido, diz que a língua está bem viva para ele e para muitos finlandeses educados de sua geração. Eles foram altamente influenciados por Edwin Linkomies, professor dele na Universidade de Helsinque e primeiro-ministro durante os difíceis anos da Segunda Guerra Mundial. Para eles, o latim era parte da identidade finlandesa e também um sinal de educação. — Para ser educado — disse Pekkanen, de 78 anos, que é perito não apenas em latim, mas também em grego antigo e sânscrito, — foi dito uma vez que um verdadeiro humanista deve escrever poesias em latim ou grego.

Pekkanen ajudou a criar o noticiário quase por brincadeira, e então o viu ganhar popularidade de maneira estável.
— Escolher as matérias é a parte mais difícil — disse Pekkanen, que no seu tempo livre traduziu todos os 22.795 versos do épico nacional finlandês, o Kalevala, em versos rimados para o latim. — Um princípio é que nós não queremos contar os corpos de quantos foram mortos nesse ou naquele país. Isso é maçante.

Pode não ser por acaso que a transmissão tenha começado em 1989, ano em que o comunismo entrou em colapso na Europa Oriental e os finlandeses se voltaram para a Europa Ocidental. Para os finlandeses educados, o latim, há tempos, tem sido o elo do país com a cultura ocidental, e eles tinham que aprender a língua nas escolas.

— É uma ideia brilhante — disse Jukka Ammondt, docente universitário de inglês e alemão que se arrisca no latim e ouve regularmente as transmissões, embora confesse que não consegue entender tudo.

Ammondt, de 68 anos, certamente fez sua parte para promover o latim – e a Finlândia. Depois de um divórcio difícil há duas décadas, ele se voltou, cada vez mais, para as músicas de Elvis Presley, seu ídolo na juventude, em busca de consolo. Para se divertir, ele passou a cantá-las em latim. Agora, além de lecionar, ele faz shows, como um no verão passado, quando ele sacudiu uma multidão no Centro Cultural Finlandês em São Petersburgo, Rússia, a leste daqui, com suas interpretações de "Tenere me ama" ("Love Me Tender") e "Ursus Taddeus" ("Teddy Bear").

Embora a transmissão já tenha sido difundida através de ondas de rádio, com recepção de ondas curtas para ouvintes fora da Finlândia, cada vez mais ouvintes sintonizam o site do programa, através de podcasts e downloads de MP3. Isso também reforça uma tendência mundial entre os amantes do latim em tentar falá-lo e não apenas lê-lo.

Em Paris, Blanchard, um falante ávido de latim, ajuda a administrar o "Circulus Latinus Lutetiensis" ou "Círculo de Latim de Paris", cujos membros se encontram todo mês para conversar, produzir obras teatrais ou apenas jogar cartas, tudo em latim — Nós usamos a internet para conversar em latim — disse ele.

Antti Ijas, de 27 anos, estudante de pós-graduação que está escrevendo uma tese sobre poesias em inglês antigo, ajuda Pekkanen a traduzir notícias e e-mails de ouvintes ao redor do mundo. — Nós recebemos feedbacks linguísticos — disse ele, "especialmente da Alemanha", onde o estudo do latim tem uma profunda tradição. A maioria dos comentários, segundo ele, é focado na pronúncia. Há inúmeros debates sobre como Cícero falaria ao se dirigir ao Senado – e sobre a escolha das palavras para coisas modernas como "campo de golfe" ("campus pilamallei") ou iPad (ainda não encontraram uma). — Eu não uso um iPad — Pekkanen disse sorrindo, e completou: — Nós discordamos dos alemães.

Mas muitos ouvintes acham as críticas bastante infundadas — Eu frequentemente me impressiono ao ouvir quão bem estruturado, idiomático e preciso é o vocabulário — disse Whittington, a professora de Harvard. A reclamação mais comum sobre a transmissão é que, com cinco minutos, é curta demais. Pekkanen discorda. A escolha dos assuntos e a tradução, segundo ele, "tomam muito tempo". — Na minha opinião, cinco minutos é quase apropriado — disse ele.

Joonas Ilmavirta, aluno graduado em matemática e ouvinte frequente, entende o desafio — É muito trabalhoso — disse ele. Ilmavirta, de 25 anos, que estudou latim no ensino médio e ocasionalmente ajuda Ammondt a traduzir músicas de Elvis, mantém seu latim atualizado lendo revistas em quadrinhos no idioma. Ele apenas ocasionalmente se aprofunda em autores sérios. — Se eu pudesse escolher um, seria Catulo — disse ele, referindo-se ao "poeta novus" romano.

Muitos finlandeses sabem da transmissão porque ela precede o popular noticiário da tarde às sextas, embora a maioria não consiga entender hoje em dia.

Ilmavirta reconheceu que poucos de seus contemporâneos compartilham da sua paixão pelo latim — Eu realmente não sei de pessoas jovens interessadas no latim — disse ele. — E com jovem eu quero dizer abaixo dos 40.

Ammondt, o Elvis latino, diz que os números não importam. — O latim é a base da cultura ocidental — disse ele —Por isso é tão simbólico.

A tradução de palavras modernas como "iPod"
 é um desafio para a equipe que produz o noticiário