Eu ensino (ensinalizo) de verdade
aquilo que eu ainda não sei efetivamente; aquilo que eu sei efetivamente,
isso eu não ensino (ensinalizo); isso vocês aprendem. Uma das
coisas que significa aprender só pode ser dessas coisas que aprendemos
somente e justamente porque não conseguimos aprendê-las. É
coisa de ignorância douta.
Então, o que é falar e o que é escrever; o que é
escutar e o que é ler? Atenho-me ao que é falar e escrever.
E parto já com as companhias de Lacan, isto é, com aqueles que,
na companhia dele, fizeram a memorável sessão de seu Seminário,
em 23 de junho 1954. Essa sessão está transcrita no Livro 01,
Lição 20, com o título latino “De locutionis significatione”
(da significação da fala). Toma-se, ali, como ponto de partida,
o diálogo entre Agostinho e o filho adolescente dele, Adeodato, então
com apenas 16 anos.
Inúmeros comentários já foram feitos sobre esse diálogo
entre pai e filho. Penso que não se entenderá esse diálogo
(está em leitoresdeplatao@yahoogrupos.com.br
para lá chegar manda e-mail leitoresdeplatao-subscribe@yahoogrupos.com.br,
tradução do prof. Ricci e com muitos comentários meus)
sem lê-lo simultaneamente, sistemática e integralmente
também “De doctrina christiana” e “De cathechizandis rudibus”. Depois
de se estar familiarizado em parte com essas obras, tirar-se-á muito
proveito, se lermos estudadamente também outros textos sobre o mesmo
tema, que os há inúmeros, na Internete.
No ensino, o didata diretor de aprendizagem não é a causa
primeira da aprendizagem do aprendente. A causa primeira é o obrar
(práxis) do aprendente. Então para que serve um didata diretor
de aprendizagem? Não basta dizer que o didata não serve para
infundir ciência ou para ensacar conhecimentos. O didata psicanalítico
diretor de aprendizagem serve sim para dirigir o processo de aprendizagem
do aprendente, assim como o psicanalista, diretor psicanalítico da
cura, serve para dirigir a psicanálise do psicanalisante.
Diz Tomás de Aquino: Assim como o médico é dito
causar a saúde no enfermo através das operações
da natureza, assim também o mestre, é dito causar a ciência
no discípulo através da operação da razão
natural do discípulo, e isto é ensinar (Quaestiones Disputatae
De Veritate: Q.11 a.1. Ibidem, C.301). O didata psicanalítico, diretor
de aprendizagem, que se conduzir de outro modo, “não produzirá
no discípulo a ciência, mas apenas a fé.”
Sabemos que Lacan gasta algumas milhares de palavras para dizer a mesma
coisa aos modernosos e sempre renovados ouvintes, que ainda acham que foi
Lacan quem descobriu a roda... tirando-lhe, nesse excesso de fé, a
verdadeira contribuição revolucionária dele à
psicanálise. Atualmente, graças às inúmeras bibliotecas
particulares ou públicas que mantêm escriturados as falas de
Lacan e os textos escritos de seu próprio punho, temos condições
de apanhar Lacan não em trinta anos, mas em bem menos tempo…
Para tanto, creio que antes precisamos nos pôr de acordo com algumas
noções, métodos e procedimentos, referentes àquilo
que entendemos por falar, escrever, leitura analítica e leitura psicanalítica,
aula analítica e aula psicanalítica, ou seminário (não
exclusivamente o seminário de excursos, como o de Lacan).
A leitura chamada de leitura analítica é a leitura aristotélico-saussureana.
Possibilita dar conta dos nexos lógicos de um texto efetivamente escrito.
A leitura, chamada leitura psicanalítica, no sentido freudo-lacaniana,
permite dar conta de outros possíveis textos (pré-textos) sugeridos
e suscitados pelo texto efetivamente escrito.
Igualmente, a aula analítica é a aula magistral em que o professor
percorre, exaustivamente, perante a audiência, o tema antecipadamente
preparado. A aula psicanalítica, isto é, o seminário
psicanalítico, é o procedimento em que o orador apresenta, falando
como se fosse analisante, o tema que constitui objeto de sua pesquisa, estudos
e inquietações.
Na aula analítica o orador apresenta o tema em forma de relatório;
na aula psicanalítica ou seminário psicanalítico, o orador
apresenta o tema como primeira vez, isto é, expõe em cima do
lance aquilo que o tema lhe suscita.
Isto não implica que um Seminário Psicanalítica seja
uma conversa de botequim onde os convivas deitam conversa fora. Pelo contrário,
no Seminário Psicanalítico, o orador e convivas, guardam suas
conversas de botequim para ulteriores conversas e intercâmbios preferentemente
semanais e presencias, atualmente podendo ser mantidos, graças ao correio
eletrônico da internete, em forma semi-presencial diária.
Um pouco de história implicando a presença e o percurso de
Lacan permite que nos situemos perante a subversão sofrida e passada
adiante por Lacan.
Em 1926, surge a SPP, Societé Psychanalaytique
de Paris.
Em 1934, a aprece a RFP, Revue Française de Psychanalyse.
Em 1951, Lacan faz sua leitura psicanalítica e seu seminário
sobre o “Caso ‘Dora’”.
Em1952, faz sua leitura psicanalítica e seu Seminário sobre
o “Caso “Homem dos Lobos”.
Em 1953, Lacan faz a leitura psicanalítica dos textos psicanalíticos
técnicos de Freud e inaugura seu Seminário aberto, público,
gratuito e semanal. Nesse mesmo ano, surge a SFP, Societé Français
de de Psychanalyse, realiza-se a conferência SIR, “o Simbólico,
o Imajário e o Real” o “Discours de Rome” transformado em “Função
e campo da palavra e da linguagem na psicanálise”. Estabelece-se a
tese fundadora: “o inconsciente está estruturado como uma linguagem”.
Em 1954, a IPA recusa acolher a SFP.
Em 1956, aparece a revista da SFP, “La psychanalyse”.
Em 1960, há o Congresso de Boneval: “A posição do inconsciente”.
Em 1964,a SFP transforma-se em APF (Association Psychanalytique de France)
agora acolhida pela IPA, porém sem Lacan que assim fica fora da IPA
e da Societé Française de Psychanalyse de cuja fundação
ele participara em 1953! Em1964, Lacan funda a EFP, École Freudienne
de Paris e faz sua célebre aula psicanalítica, “A excomunhão”,
equiparando-se a Spinoza.
Em 1966, edita-se o Écrits (Volume I). Em 1967, instituição
do malogrado passe, “La passé”. Em1968, edita-se e publica-se a revista
“Scilicet” (em latim quer dizer, “isto é”) e a revista “Lettres”. Em
1973, edita-se e publica-se o Livro 11 do Seminário de Lacan. Em 1975,
edita-se e publica-se a revista “Ornicar” (ou, nem, porque) e a revista “Analytica”.
Em 1980, dissolve-se a École Freudienne de Paris surge La Cause Freudienne
e École de la Cause Freudienne. Em 1981, dista-se e publica-se a revista
“L’Âne”, pelo Dr. Kalfon.
Cada momento desse fragmento de história,
significa subversão? Por exemplo, Freud identifica uma diferença
entre autoerotismo e narcisismo, porém não mostra como se dá
essa transmutação. Ora, Lacan em 1936 e 1949, especificamente
com a apresentação e publicação de o “Estádio
do Espelho”, mostra como se dá esse ato psíquico, chamado identificação
especular, que permite a passagem do autoerotismo ao narcisismo. “A travessia
do autoerotismo para o narcisismo é metodológica e cientificamente
mostrada e demonstrada”, hoje é um aforismo. Com esse aforismo na mente,
pode-se ler boa parte do Livro 01 do Seminário de Lacan.
Oscar Masotta escreve, “Sexo y traición em Robert Arlt”, usa e reusa
outro célebre aforismo: “El mundo crea en cada uno de nosotros el lugar
donde debemos recibirlo”. Transformo esse aforismo em “A linguagem cria em
cada um de nós situações ou sítios nos quais
cada um de nós a acolhemos e dela nos apropriamos”. Chegamos à
subversão das subversões que ninguém fez melhor do que
Lacan. Nem Freud. É a “Subversão do sujeito e dialética
no inconsciente freudiano.” De fato, na epistemologia clássica, a relação
entre Sujeito e Objeto é articulada enquanto Sujeito e Objeto previamente
dados. Para Lacan, um e outro dão-se em CONNAISSANCE - CO-NAISSANCE
(conascimento, isto é, nascimento simultâneo de um e de outro,
nascimentos correlatos como se dá na concepção de côncavo
e convexo).
A subversão da concepção clássica de sujeito-objeto
permite à psicanálise acolher e estudar a perversão sexual
dos humanos: “Veamos que pasa com la sexualidad humana. Es tan poco específica
que en lo que atañe al objeto puede simular ser de otra especie. En
este sentido las perversiones enseñaron a Freud que sin escapar del
campo de la sexualidad se pueden plantear desviaciones respecto al objeto
y al fin =[sexuales] considerados normales. Mas aun, un caso que parece responder
al objeto y al fin normales es el que más demuestra la falta de adecuación
de la sexualdiad humana: la necrofilia. Cuando llega a este punto Freud diz:
‘!Basta ya de horrores!’ ¿Acaso un animal podría horrorizarse
ante la conducta sexual de un congénere?” || Hasta tal punto se subvierte
la postura clásica instintivista que Freud, guiado por su experiencia,
se ve llevado a pregutnar-se en PSICOLOGÍA DE LAS MASAS Y ANÁLISIS
DEL YO cómo es posible que el objeto se conserve. ¿Qué
es lo que viene a interferir en el encuentro con el objeto? Es lo mismo que
preguntar ¿qué es lo que distingue al hombre del animal? Seguramente
la diferencia la encontraremos referida al campo de la representación.
Hemos visto que el animal tiene una representación adecuada del objeto,
a diferencia del hombre, a quien se le plantea de continuo el problema de
la verdad, precisamente porque pude engañarse.] (D’Angelo, Carvajal,
Marchilli, in UNA INTRODUCCIÓN A LACAN.]
Convém recapitular brevemente a disputa começada na Idade
Média, então chamada “a disputa sobre os universais”, entre
os realistas e os nominalistas. Para uns e outros a REPRESENTAÇÃO
é o mediados entre o SUJEITO e o OBJETO. Para o realista, A natureza
do representação é preponderamente senão da mesma
natureza do objeto, para o realista; preponderantemente senão da mesmna
natureza do sujeito, para o nominalista.
O realista identifica a representação com o referente transformando
o signo em nome da coisa. O nominalista identifica a representação
o sujeito transformando o signo num substituto do sujeito. Para o nominalista,
a representação depende do sujeito e é independente da
coisa (tanto enquanto referente do real matéria-prima, quanto do referente
real matéria-pré-fabricada. Ver, para tanto, a excelente discussão
discussão iniciada com o ensaio de Izidoro Blikstein, Kaspar
Hauser ou a Fabricação da Realidade (1983).
Podemos, agora, perguntarmo-nos o que vem a ser fala e o que vem a ser escritura.
Segundo Saussure, a língua (langue) é órgão social;
o órgão individual (parole) é o discurso ou fala do sujeito.
Onde fica a escritura? Assim como a filosofia é serva da teologia
a escritura será considerada serva da fala. Todavia, aí vem
a subversão lacaniana:
S.09 lição de 20dez61.: [phonème] L'écriture
comme matériel, comme bagage attendait là (...), l'écriture
attendait avant d'être phonétisée et c'est dans la mesure
où elle est vocalisée, phonétisée comme d'autres
objets, qu'elle apprend, l'écriture, si je puis dire, à fonctionner
comme écriture. [fonema] A escritura com material, como bagagem esperava
aí (...) a escritura esperava antes de se fonetizada e isso está
na medida em que ela vocalizada, fonetizama como outros objeto, que ela aprende,
a escritura, se eu posso dizer, para foncionar como escirtura. (Tradução,
jlc).
S.09 lição de 28fev62: [c'est avec la répétition
de l'apparemment identique] qu'est créé, dégagé,
ce que j'appelle, non pas le symbole, mais l'entrée dans le réel
comme signifiant inscrit - et c'est là ce que veut dire le terme de
primauté de l'écriture. L'entrée dans le réel,
c'est la forme de ce trait répété par le chasseur primitif
de la différence absolue en tant qu'elle est là. [É com
a repetição do aparentemente idêntico] que é criado,
desengaliolado, qauilo que chamo, não o símbolo, mas a entrada
no real como significante inscrito – e é aí que eu quero dizer
o termo da primazia escritura. A entrada no real é a forma desse traço
repetido pelo caçador primitivo da diferença absoluta enquanto
ela lá estar. Trad. jlc.]
Agora, não somente a prevalência é do significante sobre
o significado, é também a prevalência da escritura sobre
a fala. A fala fonetiza a escritura. Essa está já aí,
esperando ser fonetizada!
Saussure tenta articular o SIGNIFICANTE, isto é, o sensível
(a imagem ou figura audível, visível) com o inteligível
(inaudível, invisível), isto é, o conceito ou significado.
Na visualização do triângulo lingüístico,
Saussure fica, como ocorre com a maioria dos lingüistas, com o lado esquerdo
do triângulo. Há poucas pesquisas que incluem também o
lado esquerdo, onde na base, encontra-se o referente (concebido enquanto referendo
ou refecenciado (veículo de comunicação) e o referenciado
ou referente (a coisa mesma que pode ser referente de realidade pré-elaborada
ou pré-fabricada ou referente da realidade matéria-prima, isto
é, ainda a ser elaborada ou fabricada).
Trata-se de vivência em cima do lance, à qual o sujeito somente
tem acesso no depois ou no relance? É um antes que somente no depois
pode ser considerado ou concebido. Então, há vivências
nas quais o sujeito considera vivências já vivenciadas. Essas
vivências em cima do lance nas quais se recuperam outras vivências
já vivenciadas, ou vivências em cima do lance que permitem a
recuperação de outras vivências já vivenciadas,
são por sua vez vivências às quais o sujeito somente terá
acesso no depois, isto é, no relance.
O signo (sinal) lingüístico enquanto elemento de um sistema,
a língua, tem uma relação positiva entre o significante
e o significado, segundo Saussure, e tem uma relação negativa
e diferencia com cada um dos outros signos. Pelo visto, estudar lingüística
e lingüística psicanalítica ou lógica e lógica
psicanalítica é como buscar complementaridade em opostos excludentes.
Todavia, há um não que não é se não complementar,
como mostra a lógica simbólica moderna.
AULA E LEITURA ANALÍTICAS
xor SEMINÁRIO E LEITURA PSICANALÍTICOS
“Ustedes sabrán que el inicio y el desarrollo de la lógica
tiene como objetivo suprimir el equívoco del lenguaje ordinario.
El resultado es una escritura que no puede ser hablada. Hablar es producir
equívocos, cadenas significantes que implican necesariamente el malentendido.
La escritura, por el contrario, es hacer letra de lo que se dice, es una operación
que evita el malentendido. Si ustedes quieren, podríamos decir que
el significado consiste siempre en reducir el equívoco a una sola
lectura.” Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción
a Lacan.
Com as expressões “Aula Analítica” e “Leitura Analítica”,
como se viu, eu identifico as conexões lógico-lingüísticas
presentes implícitas ou explicitas num texto. Na aula analítica
e na leitura analítica fico na posição do Amo ou Patrão,
caracterizado tanto pelo lógico-aristotélico-analítico
quanto pelo lingüista-saussureano-analítico, para os quais o significante,
em sua verdadeira dimensão, pode ficar desconhecido e, se conhecido,
sempre atrelado ao significado.
Crê-se poder reduzir, na Aula Analítica e na Leitura Analítica,
toda e qualquer leitura a uma só e única leitura. Assim se faz
também nesse tipo de instituição ou associação
PSICanalítica dissimulada sob a forma de ama-patroa, conduzindo-se
como se a linguagem, enquanto única e insuperável instituinte,
pudesse ser subjugada ou domesticada.
Diferentemente procede a comunidade PSICanalítica de língua
e de escritura, a qual, instituída perenemente e unicamente pelo significante,
persiste apesar das instituições ou associações
PSICanalíticas, as quais sem a comunidade PSICanalítica não
passariam de cemitérios de letras mortas.
Na Aula Analítica e na Leitura Analítica, o signo feito unidade
indestrutível, unidade do significado inseparável do significante,
congela o significado e pretende domesticar o significante. O signo saussureano
faz de uma associação PSICanalítica uma usina de associações
antecipadas e premeditadas. Isto é, produz eventos antecipados e previstos,
mas jamais eventualidades inantecipáveis ou imprevisíveis! Já
o significante faz de uma associação PSICanalítica uma
comunidade PSICanalítica de língua e de escritura, isto é,
uma usina de desassociações inesperadas, inantecipáveis,
impremeditadas, e, por isso, mesmo insuportáveis nas instituições
ou associações PSICanalíticas amas-patroas.
Uma leitura conduzida na perspectiva do significante indomesticado e indomesticável
dá lugar a que advenha uma outra lógica, uma outra lingüística,
uma outra topologia, a saber, a Lógica PSICanalítica, a Lingüística
PSICanalítica, a Topologia PSICanalítica.
No Seminário PSICanalítico, que ab-roga a Aula Analítica,
escutamos o significante a partir da letra. Os PSICanalisantes, na situação
PSICanalítica da Cura, ou na situação PSICanalítica
do Seminário, entregam-se à produção de discursos
destinados para sempre a inúmeras leituras PSICanalíticas.
No Seminário PSICanalítico e na Leitura PSICanalítica,
diferentemente do que ocorre na Aula Analítica ou na Leitura Analítica
(essas perspectivadas pelo signo saussureano), o significante domina e não
é dominado. De fato, no Seminário PSICanalítico e na
Leitura PSICanalítica, o significante além de dominar fica para
sempre indominável. A Interpretação PSICanalítica
será, portanto, uma escansão sempre provisória e não
um escanção (01) qualquer, vitalício, mesmo que seja
em portunhol-chique, esse tipo de joycismo latino-americano degradado, rebarbativo
e perverso. *01: Na última década do século passado,
um portugnol, jogava-se da altura de seu ego para os braços de uma
plebe feminina de Porto Alegre. Aparentemente dizia-se uma “escansão”
psicanalítica. Todavia, em todos os textos, escrevia-se “escanção”.
E não deu outra. A plebe prefere mesmo vinho.
Os PSICanalisantes serviçais das amas-patroas, diferentemente dos
PSICanalisantes da comunidades PSICanalítica de língua e de
escritura, são incapazes de ler um chiste sem se socorrerem da comunidade
PSICanalítica de língua e de escritura. Na Leitura PSICanalítica
e no Seminário PSICanalítico, os PSICanalisantes lêem,
de inúmeras formas o chiste, sendo que pelo menos uma – que é
da natureza da Interpretação PSICanalítica – não
pode não os fazer rir. Então, se há uma Lingüística
PSICanalítica, o chiste é seu melhor modelo. (Cf. Masotta, apud
Rinty d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción
a Lacan. BA: Lugar Editorial, 7ª ed, 1994. p 24.).
O significante está para a leitura de Escuta PSICanalítica
assim como o significado está para a leitura de Escuta Analítica.
Na situação PSICanalítica da cura ou do seminário,
“... el significado es la lectura de lo que se escucha de significante.” (Rinty
d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, idem).
Pontuar PSICanaliticamente, diferentemente de Interpretar PSICanaliticamente,
é deletrear o significante, escandi-lo de verdade e não escancioná-lo
à moda dos ilusionistas, é fazê-lo aparecer enquanto letra.
Com a Pontuação PSICanalítica, o significante torna-se
letra. Outrossim, a Interpretação PSICanalítica dá
lugar a que o significante se torne letra, assim como o retorno do recalcado,
ao ser interpretado PSICanaliticamente, torna-se letra. PSICanalisar é
transformar o mal-entendido em letra, fazendo-o ficar patente ou desesquecido
(alethê).
Por fim, lá onde há Significação Analítica
(Aristóteles, Saussure), lá deve advir Significância PSICanalítica
(Lacan). “Es imprescindible aclarar que la letra en el psicoanálisis
no supone la lectura de un sentido oculto, sino la producción de sentido
a partir de una cadena inaprensible como tal. Hacer letra es poner de manifiesto
el malentendido y de ningún modo domesticarlo.” (Rinty d’Angelo, Eduardo
Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción a Lacan. Idem).
LÍNGUA e FALA <=>
ESCRITA e ESCRITURA
A Interpretação PSICanalítica está para
a FALA assim como a Pontuação PSICanalítica esta para
a ESCRITURA.
Com o termo “língua”, denoto algo, um sistema ou instrumento, com
o qual posso produzir alguma eventualidade com meu corpo na presença
de uma testemunha. Essa produção é, em primeiro lugar,
minha fala. Tomo o termo “fala” enquanto gênero cujas espécies
são as seguintes:
#1. a fala oral articulada - essa expressão
carece de explicitações;
#2. a fala gestualizada com os membros ou extremidades do corpo ou certas
partes do corpo (dedos, mãos, braços, pés, pernas, cabeça,
etc.; rosto, orelhas, olhos, boca, etc.);
#3. a fala corporificada mediante movimentos do corpo, mediante posturas
do corpo, mediante modificações do corpo (pele rubra, etc.);
#4. a fala escriturada ou a escritura falada como é o chat eletrônico
falado com a ponta dos dedos ou escriturado com a língua das mãos.
Com o termo “escrita”, denoto algo, um sistema ou instrumento, com o qual
produzo diretamente com meu corpo, por exemplo, com meu dedo, escavando sobre
uma superfície mole ou dura, isto é, fazendo glifos, sulcos
com os dedos ou com os pés; ou que produzo indiretamente com
meu corpo sobre uma superfície, escavando-a, fazendo-lhes glifos ou
sulcos com um instrumento. E, no lugar de glifos ou sulcos, posso acrescentar
com o auxílio dos meus dedos ou com um instrumento tipo pincel, lápis,
caneta, etc, tinta líquida ou seca (carvão, por exemplo), ou
tinta eletrônica com o instrumento chamado computador.
A partir do exergo posto no início desse texto, pode-se ver que a
escritura pode ser escritura stricto senso, isto é, escritura impossível
de ser falada, e escritura falada ou fala escriturada como no #4. Dito de
outra forma, trata-se da moderna escritura, a escritura fonetizada.
“Ustedes sabrán que el inicio y el desarrollo de la lógica
tiene como objetivo suprimir el equívoco del lenguaje ordinario.
El resultado es una escritura que no puede ser hablada. Hablar es producir
equívocos, cadenas significantes que implican necesariamente el malentendido.
La escritura, por el contrario, es hacer letra de lo que se dice, es
una operación que evita el malentendido. Si ustedes quieren, podríamos
decir que el significado consiste siempre en reducir el equívoco a
una sola lectura.”
Estabelecidos esses dois reinos ou duas formas de realização
da linguagem, “língua e fala” e “escrita e escritura”, eis como vejo
as especificidades de um e de outro.
O que a voz, gesto e movimentos ou posturas ou transformações
do corpo são para a fala oral articulada, gesticulada e corporificada,
a tinta acrescida e os sulcos escavados numa superfície são
para a escritura.
Concebida dessa maneira, a escritura apresenta certas formações
que bem podem ser consideradas pré-existentes à fala oralizada.
Por exemplo, traços, rabiscos, desenhos sobre as rochas nas cavernas,
etc. Evidentemente, nem se duvida que as falas gesticuladas e corporificadas
precedem a fala oral articulada. E há uma fala oral inarticulada que
não somente precede a fala oral articulada, como também perdura
e persiste impregnada nessa última. Exemplos são os pigarros,
as gargalhadas, os gemidos, os roncos, certas exclamações, os
cliques, etc., para os quais praticamente inexistem possibilidades de representá-los
com a escritura.
Estamos, de fato familiarizados com expressões do tipo: “Isso é
inefável!”, “Não tenho palavras para dize-lo!” Todavia, não
estamos acostumados a ouvir: “Isso é inescriturável!” Assim
como há “coisas” que são faláveis, mas que ficam inescrituraveis,
também há coisas que são escrituráveis, mas que
ficam infaláveis.
Sempre me deixou curioso o modo como se falam e como se escrevem, nas diferentes
culturas, por exemplo, o canto do galo ou o miado do gato. Evidentemente,
um galo na China ou no Brasil, cantam igualmente. Eu aceito, embora não
tenha feito a experiência, que se um galo do Brasil for levado para
a China, ou vice-versa, não será possível diferençá-los
a partir do respectivo canto. Um gato na época dos romanos e um gato
da atualmente miam da mesma maneira. Mas, os chineses e os brasileiros dizem
diferentemente pela fala e pela escritura tanto o canto do galo como o miado
do gato.
O fato de um gato dos tempos dos Césares e um gato do presente miem
igualmente e o fato de que um galo chinês e um galo brasileiro cantem
igualmente provam que o imajário é universalmente fixo e fechado,
no tempo e no espaço. Todavia, o fato de que os romanos de antes de
Cristo e os cristãos da atualidade digam diferentemente o miado do
gato e o fato de que os chineses de hoje e os brasileiros de hoje digam diferentemente
o cato do galo provam que o simbólico é universalmente fixo
mas aberto, no tempo e no espaço. O imajário constitui uma vez
para sempre – uma vez é todas as vezes! – o miado do gato ou o canto
do galo. O simbólico constitui todas as vezes transitoriamente o miado
do gato ou o canto do galo.
O dizer pelas diferentes falas ou o dizer pelas diferentes escrituras por
acaso é diferente! Será diferente somente quando um e outro
desses dizeres forem perspectivados segundo o imajário ou o simbólico.
Perspectivados dentro do imajário, o dizer pelas diferentes falas e
o dizer pelas diferentes escrituras são homologamente os mesmos, isto
é, idênticos, produzindo sempre o mesmo sentido. Perspectivados
dentro do simbólico, o dizer pelas diferentes falas e o dizer pelas
diferentes escrituras são homologamente os mesmos, isto é,
idênticos, produzindo, porém, sempre diferentes significados.
Houve um tempo em que fazer filho era perpetuar-se ou eternizar-se, especialmente
se o filho carregava o mesmo sobrenome do pai do pai. Houve um tempo em que
construir o edifício de uma igreja ou escrever um livro significava
perpetuar-se. Prêmio de consolação para o clero que não
pode se perpetuar no rebento do filho?
Visto que a perpetuação é o delírio privilegiado
do eu assim como o eu é o sintoma privilegiado do sujeito, resta-nos
a tentação da celebridade e dos pódios. Memento homo
quia pulvis es et in pulverem revertebis. (Lembra-te, homem, que és
pó e que ao pó retornarás.) Assim, digamos o que dissermos,
pelas diferentes falas ou diferentes escrituras, tanto faz plantar árvores,
fazer filhos, escrever livros, todos haveremos de passar. Mas dizer pelas
diferentes falas e dizer pelas diferentes escrituras é prova que não
estamos alienados nem mortos. Assim como pode haver vida e excelência
na vida antes da morte, assim também pode haver alienação
e morte na vida antes da morte.
Retornando de Paris, em 1993, observo com espanto que o pátio externo
de meu Instituto de Psicologia ficara protegido por diversas cercas. Vivi
aquele novo apagamento da liberdade como um início de uma série
de outros apagamentos que, um após o outro, se sucedem vertiginosamente,
com o aplauso calado de quase toda a juventude e da maior parte dos adultos
desse país. Dos idosos, nem convém falar! Existe morte e alienação
antes da morte! Uns versos toscos que então escrevi e que foram publicados
no fim de um trabalho, trago-os agora novamente em nova mente:
Para o que vejo,
meus olhos se recusam olhar:
atrás de grades,
multidões de abandonados
protegendo-se da fúria de outros abandonados,
todos tendo em comum o mesmo princípio de abandonamento.
Quem porá limites
a esse gozo de abandonamentos sem fim?
Mas, é nessas constituintes de inferno,
é nesse princípio de abandonamento geral,
e é nessa anti-função paterna
que eu me reconheço brasileiro,
um estuprado nos seus direitos essenciais,
desde Cabral até Collor e todos os seus colares.
Mas, se você puder me dirigir o olhar e puder me dar a mão,
então haverá um abandonado a menos
e um cidadão a mais.