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O QUE É QUE FAZEMOS QUANDO FALAMOS
OU ESCREVEMOS
SE NÃO ENSINALIZAR?



José Luiz Caon
jlcaon@terra.com.br

A Adeodato, a Agostinho e às companhia honestas de Lacan.

Eu ensino (ensinalizo) de verdade aquilo que eu ainda não sei efetivamente; aquilo que eu sei efetivamente, isso eu não ensino (ensinalizo); isso vocês aprendem. Uma das coisas que significa aprender só pode ser dessas coisas que aprendemos somente e justamente porque não conseguimos aprendê-las. É coisa de ignorância douta.

Então, o que é falar e o que é escrever; o que é escutar e o que é ler? Atenho-me ao que é falar e escrever. E parto já com as companhias de Lacan, isto é, com aqueles que, na companhia dele, fizeram a memorável sessão de seu Seminário, em 23 de junho 1954. Essa sessão está transcrita no Livro 01, Lição 20, com o título latino “De locutionis significatione” (da significação da fala). Toma-se, ali, como ponto de partida, o diálogo entre Agostinho e o filho adolescente dele, Adeodato, então com apenas 16 anos.

Inúmeros comentários já foram feitos sobre esse diálogo entre pai e filho. Penso que não se entenderá esse diálogo (está em leitoresdeplatao@yahoogrupos.com.br para lá chegar manda e-mail leitoresdeplatao-subscribe@yahoogrupos.com.br, tradução do prof. Ricci e com muitos comentários meus) sem lê-lo  simultaneamente, sistemática e integralmente também “De doctrina christiana” e “De cathechizandis rudibus”. Depois de se estar familiarizado em parte com essas obras, tirar-se-á muito proveito, se lermos estudadamente também outros textos sobre o mesmo tema, que os há inúmeros, na Internete.

No ensino, o didata diretor de aprendizagem não é a causa primeira da aprendizagem do aprendente. A causa primeira é o obrar (práxis) do aprendente. Então para que serve um didata diretor de aprendizagem? Não basta dizer que o didata não serve para infundir ciência ou para ensacar conhecimentos. O didata psicanalítico diretor de aprendizagem serve sim para dirigir o processo de aprendizagem do aprendente, assim como o psicanalista, diretor psicanalítico da cura, serve para dirigir a psicanálise do psicanalisante.

Diz Tomás de Aquino: Assim como o médico é dito causar a saúde no enfermo através das operações da natureza, assim também o mestre, é dito causar a ciência no discípulo através da operação da razão natural do discípulo, e isto é ensinar (Quaestiones Disputatae De Veritate: Q.11 a.1. Ibidem, C.301). O didata psicanalítico, diretor de aprendizagem, que se conduzir de outro modo, “não produzirá no discípulo a ciência, mas apenas a fé.”

Sabemos que Lacan gasta algumas milhares de palavras para dizer a mesma coisa aos modernosos e sempre renovados ouvintes, que ainda acham que foi Lacan quem descobriu a roda... tirando-lhe, nesse excesso de fé, a verdadeira contribuição revolucionária dele à psicanálise. Atualmente, graças às inúmeras bibliotecas particulares ou públicas que mantêm escriturados as falas de Lacan e os textos escritos de seu próprio punho, temos condições de apanhar Lacan não em trinta anos, mas em bem menos tempo…

Para tanto, creio que antes precisamos nos pôr de acordo com algumas noções, métodos e procedimentos, referentes àquilo que entendemos por falar, escrever, leitura analítica e leitura psicanalítica, aula analítica e aula psicanalítica, ou seminário (não exclusivamente o seminário de excursos, como o de Lacan).

A leitura chamada de leitura analítica é a leitura aristotélico-saussureana. Possibilita dar conta dos nexos lógicos de um texto efetivamente escrito. A leitura, chamada leitura psicanalítica, no sentido freudo-lacaniana,  permite dar conta de outros possíveis textos (pré-textos) sugeridos e suscitados pelo texto efetivamente escrito.

Igualmente, a aula analítica é a aula magistral em que o professor percorre, exaustivamente, perante a audiência, o tema antecipadamente preparado. A aula psicanalítica, isto é, o seminário psicanalítico, é o procedimento em que o orador apresenta, falando como se fosse analisante, o tema que constitui objeto de sua pesquisa, estudos e inquietações.

Na aula analítica o orador apresenta o tema em forma de relatório; na aula psicanalítica ou seminário psicanalítico, o orador apresenta o tema como primeira vez, isto é, expõe em cima do lance aquilo que o tema lhe suscita.

Isto não implica que um Seminário Psicanalítica seja uma conversa de botequim onde os convivas deitam conversa fora. Pelo contrário, no Seminário Psicanalítico, o orador e convivas, guardam suas conversas de botequim para ulteriores conversas e intercâmbios preferentemente semanais e presencias, atualmente podendo ser mantidos, graças ao correio eletrônico da internete, em forma semi-presencial diária.

Um pouco de história implicando a presença e o percurso de Lacan permite que nos situemos perante a subversão sofrida e passada adiante por Lacan.

Em 1926, surge a SPP, Societé Psychanalaytique de Paris.

Em 1934, a aprece a RFP, Revue Française de Psychanalyse.

Em 1951, Lacan faz sua leitura psicanalítica e seu seminário sobre o “Caso ‘Dora’”.

Em1952, faz sua leitura psicanalítica e seu Seminário sobre o “Caso “Homem dos Lobos”.

Em 1953, Lacan faz a leitura psicanalítica dos textos psicanalíticos técnicos de Freud e inaugura seu Seminário aberto, público, gratuito e semanal. Nesse mesmo ano, surge a SFP, Societé Français de de Psychanalyse, realiza-se a conferência SIR, “o Simbólico, o Imajário e o Real” o “Discours de Rome” transformado em “Função e campo da palavra e da linguagem na psicanálise”. Estabelece-se a tese fundadora: “o inconsciente está estruturado como uma linguagem”.

Em 1954, a IPA recusa acolher a SFP.

Em 1956, aparece a revista da SFP, “La psychanalyse”.

Em 1960, há o Congresso de Boneval: “A posição do inconsciente”.

Em 1964,a SFP transforma-se em APF (Association Psychanalytique de France) agora acolhida pela IPA, porém sem Lacan que assim fica fora da IPA e da Societé Française de Psychanalyse de cuja fundação ele participara em 1953! Em1964, Lacan funda a EFP, École Freudienne de Paris e faz sua célebre aula psicanalítica, “A excomunhão”, equiparando-se a Spinoza.

Em 1966, edita-se o Écrits (Volume I). Em 1967, instituição do malogrado passe, “La passé”. Em1968, edita-se e publica-se a revista “Scilicet” (em latim quer dizer, “isto é”) e a revista “Lettres”. Em 1973, edita-se e publica-se o Livro 11 do Seminário de Lacan. Em 1975, edita-se e publica-se a revista “Ornicar” (ou, nem, porque) e a revista “Analytica”. Em 1980, dissolve-se a École Freudienne de Paris surge La Cause Freudienne e École de la Cause Freudienne. Em 1981, dista-se e publica-se a revista “L’Âne”, pelo Dr. Kalfon.
Cada momento desse fragmento de história, significa subversão? Por exemplo, Freud identifica uma diferença entre autoerotismo e narcisismo, porém não mostra como se dá essa transmutação. Ora, Lacan em 1936 e 1949, especificamente com a apresentação e publicação de o “Estádio do Espelho”, mostra como se dá esse ato psíquico, chamado identificação especular, que permite a passagem do autoerotismo ao narcisismo. “A travessia do autoerotismo para o narcisismo é metodológica e cientificamente mostrada e demonstrada”, hoje é um aforismo. Com esse aforismo na mente, pode-se ler boa parte do Livro 01 do Seminário de Lacan.

Oscar Masotta escreve, “Sexo y traición em Robert Arlt”, usa e reusa outro célebre aforismo: “El mundo crea en cada uno de nosotros el lugar donde debemos recibirlo”. Transformo esse aforismo em “A linguagem cria em cada um de nós situações ou sítios nos quais cada um de nós a acolhemos e dela nos apropriamos”. Chegamos à subversão das subversões que ninguém fez melhor do que Lacan. Nem Freud. É a “Subversão do sujeito e dialética no inconsciente freudiano.” De fato, na epistemologia clássica, a relação entre Sujeito e Objeto é articulada enquanto Sujeito e Objeto previamente dados. Para Lacan, um e outro dão-se em CONNAISSANCE  - CO-NAISSANCE (conascimento, isto é, nascimento simultâneo de um e de outro, nascimentos correlatos como se dá na concepção de côncavo e convexo).

A subversão da concepção clássica de sujeito-objeto permite à psicanálise acolher e estudar a perversão sexual dos humanos: “Veamos que pasa com la sexualidad humana. Es tan poco específica que en lo que atañe al objeto puede simular ser de otra especie. En este sentido las perversiones enseñaron a Freud que sin escapar del campo de la sexualidad se pueden plantear desviaciones respecto al objeto y al fin =[sexuales] considerados normales. Mas aun, un caso que parece responder al objeto y al fin normales es el que más demuestra la falta de adecuación de la sexualdiad humana: la necrofilia. Cuando llega a este punto Freud diz: ‘!Basta ya de horrores!’ ¿Acaso un animal podría horrorizarse ante la conducta sexual de un congénere?” || Hasta tal punto se subvierte la postura clásica instintivista que Freud, guiado por su experiencia, se ve llevado a pregutnar-se en PSICOLOGÍA DE LAS MASAS Y ANÁLISIS DEL YO cómo es posible que el objeto se conserve. ¿Qué es lo que viene a interferir en el encuentro con el objeto? Es lo mismo que preguntar ¿qué es lo que distingue al hombre del animal? Seguramente la diferencia la encontraremos referida al campo de la representación. Hemos visto que el animal tiene una representación adecuada del objeto, a diferencia del hombre, a quien se le plantea de continuo el problema de la verdad, precisamente porque pude engañarse.]  (D’Angelo, Carvajal, Marchilli,  in UNA INTRODUCCIÓN A LACAN.]

Convém recapitular brevemente a disputa começada na Idade Média, então chamada “a disputa sobre os universais”, entre os realistas e os nominalistas. Para uns e outros a REPRESENTAÇÃO é o mediados entre o SUJEITO e o OBJETO. Para o realista, A natureza do representação é preponderamente senão da mesma natureza do objeto, para o realista; preponderantemente senão da mesmna natureza do sujeito, para o nominalista.

O realista identifica a representação com o referente transformando o signo em nome da coisa. O nominalista identifica a representação o sujeito transformando o signo num substituto do sujeito. Para o nominalista, a representação depende do sujeito e é independente da coisa (tanto enquanto referente do real matéria-prima, quanto do referente real matéria-pré-fabricada. Ver, para tanto, a excelente discussão discussão iniciada com o ensaio de Izidoro Blikstein, Kaspar Hauser ou a Fabricação da Realidade (1983).

Podemos, agora, perguntarmo-nos o que vem a ser fala e o que vem a ser escritura. Segundo Saussure, a língua (langue) é órgão social; o órgão individual (parole) é o discurso ou fala do sujeito. Onde fica a escritura? Assim como a filosofia é serva da teologia a escritura será considerada serva da fala. Todavia, aí vem a subversão lacaniana:

S.09 lição de 20dez61.: [phonème] L'écriture comme matériel, comme bagage attendait là (...), l'écriture attendait avant d'être phonétisée et c'est dans la mesure où elle est vocalisée, phonétisée comme d'autres objets, qu'elle apprend, l'écriture, si je puis dire, à fonctionner comme écriture. [fonema] A escritura com material, como bagagem esperava aí (...) a escritura esperava antes de se fonetizada e isso está na medida em que ela vocalizada, fonetizama como outros objeto, que ela aprende, a escritura, se eu posso dizer, para foncionar como escirtura. (Tradução, jlc).

S.09 lição de 28fev62: [c'est avec la répétition de l'apparemment identique] qu'est créé, dégagé, ce que j'appelle, non pas le symbole, mais l'entrée dans le réel comme signifiant inscrit - et c'est là ce que veut dire le terme de primauté de l'écriture. L'entrée dans le réel, c'est la forme de ce trait répété par le chasseur primitif de la différence absolue en tant qu'elle est là. [É com a repetição do aparentemente idêntico] que é criado, desengaliolado, qauilo que chamo, não o símbolo, mas a entrada no real como significante inscrito – e é aí que eu quero dizer o termo da primazia escritura. A entrada no real é a forma desse traço repetido pelo caçador primitivo da diferença absoluta enquanto ela lá estar. Trad. jlc.]

Agora, não somente a prevalência é do significante sobre o significado, é também a prevalência da escritura sobre a fala. A fala fonetiza a escritura. Essa está já aí, esperando ser fonetizada!

Saussure tenta articular o SIGNIFICANTE, isto é, o sensível (a imagem ou figura audível, visível) com o inteligível (inaudível, invisível), isto é, o conceito ou significado.  Na visualização do triângulo lingüístico, Saussure fica, como ocorre com a maioria dos lingüistas, com o lado esquerdo do triângulo. Há poucas pesquisas que incluem também o lado esquerdo, onde na base, encontra-se o referente (concebido enquanto referendo ou refecenciado (veículo de comunicação) e o referenciado ou referente (a coisa mesma que pode ser referente de realidade pré-elaborada ou pré-fabricada ou referente da realidade matéria-prima, isto é, ainda a ser elaborada ou fabricada).
Trata-se de vivência em cima do lance, à qual o sujeito somente tem acesso no depois ou no relance? É um antes que somente no depois pode ser considerado ou concebido. Então, há vivências nas quais o sujeito considera vivências já vivenciadas. Essas vivências em cima do lance nas quais se recuperam outras vivências já vivenciadas, ou vivências em cima do lance que permitem a recuperação de outras vivências já vivenciadas, são por sua vez vivências às quais o sujeito somente terá acesso no depois, isto é, no relance.

O signo (sinal) lingüístico enquanto elemento de um sistema, a língua, tem uma relação positiva entre o significante e o significado, segundo Saussure, e tem uma relação negativa e diferencia com cada um dos outros signos. Pelo visto, estudar lingüística e lingüística psicanalítica ou lógica e lógica psicanalítica é como buscar complementaridade em opostos excludentes. Todavia, há um não que não é se não complementar, como mostra a lógica simbólica moderna.

AULA E LEITURA ANALÍTICAS xor SEMINÁRIO E LEITURA PSICANALÍTICOS

“Ustedes sabrán que el inicio y el desarrollo de la lógica tiene como objetivo suprimir el equívoco del lenguaje ordinario.  El resultado es una escritura que no puede ser hablada. Hablar es producir equívocos, cadenas significantes que implican necesariamente el malentendido. La escritura, por el contrario, es hacer letra de lo que se dice, es una operación que evita el malentendido. Si ustedes quieren, podríamos decir que el significado consiste siempre en reducir el equívoco a una sola lectura.” Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción a Lacan.

Com as expressões “Aula Analítica” e “Leitura Analítica”, como se viu, eu identifico as conexões lógico-lingüísticas presentes implícitas ou explicitas num texto. Na aula analítica e na leitura analítica fico na posição do Amo ou Patrão, caracterizado tanto pelo lógico-aristotélico-analítico quanto pelo lingüista-saussureano-analítico, para os quais o significante, em sua verdadeira dimensão, pode ficar desconhecido e, se conhecido, sempre atrelado ao significado.

Crê-se poder reduzir, na Aula Analítica e na Leitura Analítica, toda e qualquer leitura a uma só e única leitura. Assim se faz também nesse tipo de instituição ou associação PSICanalítica dissimulada sob a forma de ama-patroa, conduzindo-se como se a linguagem, enquanto única e insuperável instituinte, pudesse ser subjugada ou domesticada.

Diferentemente procede a comunidade PSICanalítica de língua e de escritura, a qual, instituída perenemente e unicamente pelo significante, persiste apesar das instituições ou associações PSICanalíticas, as quais sem a comunidade PSICanalítica não passariam de cemitérios de letras mortas.

Na Aula Analítica e na Leitura Analítica, o signo feito unidade indestrutível, unidade do significado inseparável do significante, congela o significado e pretende domesticar o significante. O signo saussureano faz de uma associação PSICanalítica uma usina de associações antecipadas e premeditadas. Isto é, produz eventos antecipados e previstos, mas jamais eventualidades inantecipáveis ou imprevisíveis! Já o significante faz de uma associação PSICanalítica uma comunidade PSICanalítica de língua e de escritura, isto é, uma usina de desassociações inesperadas, inantecipáveis, impremeditadas, e, por isso, mesmo insuportáveis nas instituições ou associações PSICanalíticas amas-patroas.

Uma leitura conduzida na perspectiva do significante indomesticado e indomesticável dá lugar a que advenha uma outra lógica, uma outra lingüística, uma outra topologia, a saber, a Lógica PSICanalítica, a Lingüística PSICanalítica, a Topologia PSICanalítica.

No Seminário PSICanalítico, que ab-roga a Aula Analítica, escutamos o significante a partir da letra. Os PSICanalisantes, na situação PSICanalítica da Cura, ou na situação PSICanalítica do Seminário, entregam-se à produção de discursos destinados para sempre a inúmeras leituras PSICanalíticas.

No Seminário PSICanalítico e na Leitura PSICanalítica, diferentemente do que ocorre na Aula Analítica ou na Leitura Analítica (essas perspectivadas pelo signo saussureano), o significante domina e não é dominado. De fato, no Seminário PSICanalítico e na Leitura PSICanalítica, o significante além de dominar fica para sempre indominável. A Interpretação PSICanalítica será, portanto, uma escansão sempre provisória e não um escanção (01) qualquer, vitalício, mesmo que seja em portunhol-chique, esse tipo de joycismo latino-americano degradado, rebarbativo e perverso. *01: Na última década do século passado, um portugnol, jogava-se da altura de seu ego para os braços de uma plebe feminina de Porto Alegre. Aparentemente dizia-se uma “escansão” psicanalítica. Todavia, em todos os textos, escrevia-se “escanção”. E não deu outra. A plebe prefere mesmo vinho.

Os PSICanalisantes serviçais das amas-patroas, diferentemente dos PSICanalisantes da comunidades PSICanalítica de língua e de escritura, são incapazes de ler um chiste sem se socorrerem da comunidade PSICanalítica de língua e de escritura. Na Leitura PSICanalítica e no Seminário PSICanalítico, os PSICanalisantes lêem, de inúmeras formas o chiste, sendo que pelo menos uma – que é da natureza da Interpretação PSICanalítica – não pode não os fazer rir. Então, se há uma Lingüística PSICanalítica, o chiste é seu melhor modelo. (Cf. Masotta, apud Rinty d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción a Lacan. BA: Lugar Editorial, 7ª ed, 1994. p 24.).

O significante está para a leitura de Escuta PSICanalítica assim como o significado está para a leitura de Escuta Analítica. Na situação PSICanalítica da cura ou do seminário, “... el significado es la lectura de lo que se escucha de significante.” (Rinty d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, idem).

Pontuar PSICanaliticamente, diferentemente de Interpretar PSICanaliticamente, é deletrear o significante, escandi-lo de verdade e não escancioná-lo à moda dos ilusionistas, é fazê-lo aparecer enquanto letra. Com a Pontuação PSICanalítica, o significante torna-se letra. Outrossim, a Interpretação PSICanalítica dá lugar a que o significante se torne letra, assim como o retorno do recalcado, ao ser interpretado PSICanaliticamente, torna-se letra. PSICanalisar é transformar o mal-entendido em letra, fazendo-o ficar patente ou desesquecido (alethê).

Por fim, lá onde há Significação Analítica (Aristóteles, Saussure), lá deve advir Significância PSICanalítica (Lacan). “Es imprescindible aclarar que la letra en el psicoanálisis no supone la lectura de un sentido oculto, sino la producción de sentido a partir de una cadena inaprensible como tal. Hacer letra es poner de manifiesto el malentendido y de ningún modo domesticarlo.” (Rinty d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción a Lacan. Idem).

LÍNGUA e FALA <=> ESCRITA e ESCRITURA

A Interpretação  PSICanalítica está para a FALA assim como a Pontuação PSICanalítica esta para a ESCRITURA.

Com o termo “língua”, denoto algo, um sistema ou instrumento, com o qual posso produzir alguma eventualidade com meu corpo na presença de uma testemunha. Essa produção é, em primeiro lugar, minha fala. Tomo o termo “fala” enquanto gênero cujas espécies são  as seguintes:

#1. a fala oral articulada - essa expressão carece de explicitações;

#2. a fala gestualizada com os membros ou extremidades do corpo ou certas partes do corpo (dedos, mãos, braços, pés, pernas, cabeça, etc.; rosto, orelhas, olhos, boca, etc.);

#3. a fala corporificada mediante movimentos do corpo, mediante posturas do corpo, mediante modificações do corpo (pele rubra, etc.);

#4. a fala escriturada ou a escritura falada como é o chat eletrônico falado com a ponta dos dedos ou escriturado com a língua das mãos.

Com o termo “escrita”, denoto algo, um sistema ou instrumento, com o qual produzo diretamente com meu corpo, por exemplo, com meu dedo, escavando sobre uma superfície mole ou dura, isto é, fazendo glifos, sulcos com os dedos ou com os pés;  ou que produzo indiretamente com meu corpo sobre uma superfície, escavando-a, fazendo-lhes glifos ou sulcos com um instrumento. E, no lugar de glifos ou sulcos, posso acrescentar com o auxílio dos meus dedos ou com um instrumento tipo pincel, lápis, caneta, etc, tinta líquida ou seca (carvão, por exemplo), ou tinta eletrônica com o instrumento chamado computador.

A partir do exergo posto no início desse texto, pode-se ver que a escritura pode ser escritura stricto senso, isto é, escritura impossível de ser falada, e escritura falada ou fala escriturada como no #4. Dito de outra forma, trata-se da moderna escritura, a escritura fonetizada.

“Ustedes sabrán que el inicio y el desarrollo de la lógica tiene como objetivo suprimir el equívoco del lenguaje ordinario.  El resultado es una escritura que no puede ser hablada. Hablar es producir equívocos, cadenas significantes que implican necesariamente el malentendido. La escritura, por el contrario, es hacer letra de lo que se dice, es una operación que evita el malentendido. Si ustedes quieren, podríamos decir que el significado consiste siempre en reducir el equívoco a una sola lectura.”

Estabelecidos esses dois reinos ou duas formas de realização da linguagem, “língua e fala” e “escrita e escritura”, eis como vejo as especificidades de um e de outro.

O que a voz, gesto e movimentos ou posturas ou transformações do corpo são para a fala oral articulada, gesticulada e corporificada, a tinta acrescida e os sulcos escavados numa superfície são para a escritura.

Concebida dessa maneira, a escritura apresenta certas formações que bem podem ser consideradas pré-existentes à fala oralizada. Por exemplo, traços, rabiscos, desenhos sobre as rochas nas cavernas, etc. Evidentemente, nem se duvida que as falas gesticuladas e corporificadas precedem a fala oral articulada. E há uma fala oral inarticulada que não somente precede a fala oral articulada, como também perdura e persiste impregnada nessa última. Exemplos são os pigarros, as gargalhadas, os gemidos, os roncos, certas exclamações, os cliques, etc., para os quais praticamente inexistem possibilidades de representá-los com a escritura.

Estamos, de fato familiarizados com expressões do tipo: “Isso é inefável!”, “Não tenho palavras para dize-lo!” Todavia, não estamos acostumados a ouvir: “Isso é inescriturável!” Assim como há “coisas” que são faláveis, mas que ficam inescrituraveis, também há coisas que são escrituráveis, mas que ficam infaláveis.

Sempre me deixou curioso o modo como se falam e como se escrevem, nas diferentes culturas, por exemplo, o canto do galo ou o miado do gato. Evidentemente, um galo na China ou no Brasil, cantam igualmente. Eu aceito, embora não tenha feito a experiência, que se um galo do Brasil for levado para a China, ou vice-versa, não será possível diferençá-los a partir do respectivo canto. Um gato na época dos romanos e um gato da atualmente miam da mesma maneira. Mas, os chineses e os brasileiros dizem diferentemente pela fala e pela escritura tanto o canto do galo como o miado do gato.

O fato de um gato dos tempos dos Césares e um gato do presente miem igualmente e o fato de que um galo chinês e um galo brasileiro cantem igualmente provam que o imajário é universalmente fixo e fechado, no tempo e no espaço. Todavia, o fato de que os romanos de antes de Cristo e os cristãos da atualidade digam diferentemente o miado do gato e o fato de que os chineses de hoje e os brasileiros de hoje digam diferentemente o cato do galo provam que o simbólico é universalmente fixo mas aberto, no tempo e no espaço. O imajário constitui uma vez para sempre – uma vez é todas as vezes! – o miado do gato ou o canto do galo. O simbólico constitui todas as vezes transitoriamente o miado do gato ou o canto do galo.

O dizer pelas diferentes falas ou o dizer pelas diferentes escrituras por acaso é diferente! Será diferente somente quando um e outro desses dizeres forem perspectivados segundo o imajário ou o simbólico. Perspectivados dentro do imajário, o dizer pelas diferentes falas e o dizer pelas diferentes escrituras são homologamente os mesmos, isto é, idênticos, produzindo sempre o mesmo sentido.  Perspectivados dentro do simbólico, o dizer pelas diferentes falas e o dizer pelas diferentes escrituras são homologamente os mesmos, isto é, idênticos, produzindo, porém, sempre diferentes significados.

Houve um tempo em que fazer filho era perpetuar-se ou eternizar-se, especialmente se o filho carregava o mesmo sobrenome do pai do pai. Houve um tempo em que construir o edifício de uma igreja ou escrever um livro significava perpetuar-se. Prêmio de consolação para o clero que não pode se perpetuar no rebento do filho?

Visto que a perpetuação é o delírio privilegiado do eu assim como o eu é o sintoma privilegiado do sujeito, resta-nos a tentação da celebridade e dos pódios. Memento homo quia pulvis es et in pulverem revertebis. (Lembra-te, homem, que és pó e que ao pó retornarás.) Assim, digamos o que dissermos, pelas diferentes falas ou diferentes escrituras, tanto faz plantar árvores, fazer filhos, escrever livros, todos haveremos de passar. Mas dizer pelas diferentes falas e dizer pelas diferentes escrituras é prova que não estamos alienados nem mortos. Assim como pode haver vida e excelência na vida antes da morte, assim também pode haver alienação e morte na vida antes da morte.

Retornando de Paris, em 1993, observo com espanto que o pátio externo de meu Instituto de Psicologia ficara protegido por diversas cercas. Vivi aquele novo apagamento da liberdade como um início de uma série de outros apagamentos que, um após o outro, se sucedem vertiginosamente, com o aplauso calado de quase toda a juventude e da maior parte dos adultos desse país. Dos idosos, nem convém falar! Existe morte e alienação antes da morte! Uns versos toscos que então escrevi e que foram publicados no fim de um trabalho, trago-os agora novamente em nova mente:

Para o que vejo,
meus olhos se recusam olhar:
atrás de grades,
multidões de abandonados
protegendo-se da fúria de outros abandonados,
todos tendo em comum o mesmo princípio de abandonamento.
Quem porá limites
a esse gozo de abandonamentos sem fim?
Mas, é nessas constituintes de inferno,
é nesse princípio de abandonamento geral,
e é nessa anti-função paterna
que eu me reconheço brasileiro,
um estuprado nos seus direitos essenciais,
desde Cabral até Collor e todos os seus colares.
Mas, se você puder me dirigir o olhar e puder me dar a mão,
então haverá um abandonado a menos
e um cidadão a mais.