Página da BIBLIOTECA SIGMUND FREUD
O número treze
e a forma lógica da suspeita
Jacques Lacan
PUBLICADO NOS "CAHIERS D'ART" EM 1945-1946
Mais inacessíveis a
nossos olhos, feitos para os sinais do cambista... (Discurso sobre a causalidade
psíquica) (01)
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01: Nessa citação Lacan usa Discours
em lugar de Propos (traduzido como "Formulações" no
ensaio dos Escritos). (N.E.)
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§ 01/92. Mais uma vez, partiremos de um desses
problemas aritméticos em que os modernos quase não vêem
senão recreação, não sem que os atormente a idéia
das virtualidades criadoras que aí descobriria o pensamento tradicional.
§ 02/92. Este se deve ao Sr. Le Lionnais, que
nos disseram grande iniciado nesses arcanos e que, assim, teria perturbado
a vigília de alguns parisienses. Foi por esse prisma, pelo menos,
que ele nos foi proposto por Raymond Queneau, que, grande especialista nos
jogos em que não vê o menor objeto em que pôr à
prova sua agilidade dialética, e não menos erudito nas publicações
reserva¬das em que eles são cultivados, pode ser seguido quando
afirma que seu dado é original. Ei-lo.
O problema das doze peças
§ 03/92. Em doze peças de aparência
semelhante, uma, que diremos ruim, distingue-se por uma diferença
de peso, imperceptível sem um aparelho de medição, diferença
esta sobre a qual não se diz se é para mais ou para menos.
§ 04/92. Somos solicitados a encontrar essa
peça entre as demais, num total de três pesagens, para as quais
dispomos unicamente do ins[91]trumento de uma balança com dois
pratos, excluído qualquer peso que sirva de padrão ou qualquer
outra tara que não sejam as próprias peças em questão.
§ 05/92. A balança que aqui nos fornecem
como aparelho funcionará, para nós, como suporte de uma forma
lógica, a que chamamos forma da suspeita ambígua, e a pesagem
nos mostrará sua função no pensamento(02).
_________
02: O estudo aqui desenvolvido situa-se nas análises formais iniciais
de uma lógica coletiva, à qual já se referira o texto
publicado no número anterior dos Cahiers d'Art, sob o título
"O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada"
(reproduzido nos Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, p.197-213).
A forma aqui desenvolvida, embora compare a sucessão, não
é da ordem do tempo lógico e se situa como anterior em nosso
desenvolvimento.
Ela faz parte de nossas abordagens exemplares para a concepção
das formas lógicas em que se devem definir as relações
do indivíduo com a coleção, antes que se constitua a
classe, ou seja, antes que o indivíduo seja especificado.
Essa concepção é desenvolvida numa lógica
do sujeito que nosso outro estudo leva a discernir nitidamente, uma vez
que, no final dele, chegamos a tentar formular o silogismo subjetivo pelo
qual o sujeito da existência assimila-se à essência,
para nós radicalmente cultural, a que se aplica o termo humanidade.
Solução do problema
§ 06/92. Esse problema requer uma invenção
operatória das mais simples e totalmente à altura do espírito
humano. Duvidamos, porém, que esteja ao alcance da mecânica
cuja maravilha o nome “máquina de pensar” expressa bem. É que
haveria muito a dizer sobre a ordem das dificuldades opostas ao espírito,
respectivamente, pelas formas desenvolvidas do jogo dos números e pelas
formas mais simples nas quais a questão é saber se contêm
implicitamente as outras.
§ 07/92. Assim, para quem quiser experimentar
resolver nosso problema, esclareçamos aqui que suas condições
devem ser rigorosa¬mente aceitas - isto é, que qualquer resultado
constatado, ao se colocarem na balança 2 peças ou 2 grupos
de peças (sempre, evidentemente, em número igual), contará
como uma pesagem, quer os pratos se equilibrem, quer um deles prevaleça.
§ 08/92. Esta observação tem por objetivo
que o investigador, quando estiver no momento aparentemente inevitável
em que a dificulda[92]de lhe parecerá sem saída, não
tergiverse, presumindo, por exemplo, que uma tentativa dupla, referindo-se
ao mesmo tempo operatório, possa ser tomada por uma única pesagem,
mas que, antes, animado pela certeza de que a solução existe,
persevere no fundo do impasse até descobrir sua falha. Que ele se
junte então a nós para considerar conosco sua estrutura. Guiemos,
enquanto isso, o leitor mais dócil.
§ 09/92. O pequeno número de provas
permitidas ordena que se proceda por grupos. A rememoração
do dado de que a presença da peça ruim é segura entre
as 12 poderia dissuadir-nos de, inicialmente, dividi-las pela metade nos pratos:
esse dado, com efeito, por tornar certo que um dos grupos de 6 pesará
mais do que o outro, diminui correspondentemente o interesse de tal prova.
Mas esse raciocínio se revelará apenas aproximativo.
§ 10/92. A verdadeira justificação
do procedimento que tem êxito é que a pesagem numa balança
de dois pratos tem três resultados possíveis, conforme eles
se equilibrem ou um ou o outro prevaleça. É verdade que, no
caso de seu desequilíbrio, nada nos faz reconhecer de que lado está
o objeto a que cabe responsabilizar por isso. No entanto, teremos motivos
legítimos para operar de acordo com uma distribuição
tripartite, forma que encontramos em mais de uma incidência na lógica
da coleção.
A primeira pesagem e o problema das quatro
§ 11/92. Retirados de nossas doze peças,
portanto, coloquemos na balança dois grupos de quatro.
§ 12/92. A situação do equilíbrio
entre eles nos permite encontrar a peça ruim entre as quatro restantes.
Problema cuja solução parecerá fácil em duas
pesagens, ainda que convenha formulá-la sem precipitação.
§ 13/92. Esclareçamos que, na segunda
pesagem, colocaremos em cada prato uma e apenas uma dessas quatro peças.
Os pratos ficam em equilíbrio? Nesse caso, as duas peças são
boas, e uma delas, oposta numa terceira pesagem a qualquer das restantes,
ou evidenciará nesta a peça ruim, ou permitirá situá-la,
por eliminação, na última que não foi testada.
§ 14/92. Um dos pratos fica, ao contrário,
mais pesado na segunda pesagem? A peça ruim estará entre as
duas postas na balança e, sendo portanto certamente boas as duas peças
restantes, a situação, semelhante à do caso anterior,
será resolvida da mesma ma¬eira, isto é, comparando entre
elas uma peça de cada grupo.
§ 15/92. O desenvolvimento do problema mostrará
que não é supérfluo assinalar aqui que esse procedimento
resolve um problema que pode ser considerado autônomo: o da peça
ruim a ser detecta¬da entre quatro, por meio de duas pesagens, isto é,
o problema imediatamente inferior ao nosso. As oito peças implicadas
em nossa primeira pesagem não intervieram em nada, com efeito, na
busca da peça ruim entre as quatro restantes.
O x da dificuldade e a suspeita dividida
§ 16/92. Voltemos agora a essa primeira pesagem
para considerar o caso em que um dos grupos de quatro postos na balança
é mais pesado.
§ 17/92. Esse caso é o x do problema.
Aparentemente, ele nos deixa a peça ruim a ser detectada entre oito
e nos deixa a fazê-lo em duas pesagens, depois de essas duas pesagens
se haverem mostrado exatamente suficientes para detectá-la entre quatro.
§ 18/92. Mas, embora a peça ruim continue
por ser reconhecida entre oito, a suspeita, digamos, que recai sobre
cada uma delas fica desde logo dividida. E aqui tocamos numa dialética
essencial das relações do indivíduo com a coleção,
na medida em que elas comportam a ambigüidade do a mais ou do a menos.
§ 19/92. Por conseguinte, o resultado da segunda
pesagem pode ser formulado como se segue:
§ 20/92. As peças que estão
no prato mais carregado só são suspeitas de serem pesadas;
as que estão no mais leve só são suspeitas de serem leves
demais.
A rotação tripartite ou o
tri
§ 21/92. Tal é a raiz da operação
que permite resolver nosso problema, e que chamaremos de rotação
tripartite, ou então, num trocadilho com seu papel de triagem,
o tri.
§ 22/92. Essa operação nos parecerá
o nó no desenvolvimento de um drama, quer se trate do problema dos
doze, quer, como veremos, de sua aplicação a coleções
superiores. Aqui, a terceira pesagem, assim como, nos outros casos, todas
as pesagens que se seguirem, se afigurará junto dela tão-somente
como um desenlace liquidante.
§ 23/92. Eis o esquema dessa operação:
Figura 01.
§ 24/92. Vemos que se fez intervirem três
peças já determinadas como boas, tais como de fato elas nos
foram fornecidas, outro resultado da primeira pesagem, nas quatro peças
restantes - já que a peça ruim certamente está entre
as oito incluídas na pesagem.
§ 25/92. Existe, por outro lado, uma forma
da operação que não faz intervirem essas peças
- e procede pela redistribuição apenas das peças já
na balança, após a exclusão de algumas. Mas, qualquer
que seja a elegância dessa economia de elementos, vou ater-me à
exposição da forma aqui representada, por diversas razões,
a saber:
§ 26/92. 1º) porque a distribuição
tripartite dos elementos no teste que precede de imediato a operação
fornece necessariamente um número de elementos, depurados da suspeita,
sempre mais do que suficiente para que essa forma seja aplicável na
extensão ad indefinitum que daremos de nosso problema, e, ainda mais
largamente, como veremos, com o complemento essencial que traremos para
ele;
§ 27/92. 2º) porque essa forma da operação
é mais manejável mental¬mente para os que não se
habituaram a concebê-la submetendo-se à prova de seu achado;
§ 28/92. 3º) porque, por último,
uma vez resolvida pela pesagem que a conclui, ela é a que deixa menos
complexidade para as operações liquidantes.
§ 29/92. Nossa rotação tripartite
consiste, pois, no seguinte:
§ 30/92. Em colocarmos três peças
boas no lugar de três peças quaisquer do prato mais carregado,
por exemplo, e depois usarmos as três peças extraídas
desse prato para substituir três peças retiradas do prato mais
leve, as quais, a partir daí, ficarão excluídas dos
pratos.
A segunda pesagem e a disjunção
decisiva
§ 31/92. Basta constatar, numa segunda pesagem,
o efeito dessa nova distribuição, para poder concluir, de
acordo com cada um dos três casos possíveis, pelos seguintes
resultados:
§ 32/92. Primeiro caso: os pratos
se equilibram. Todas as peças neles são boas, portanto. A ruim
se encontra, nesse caso, entre as três peças excluídas
do prato que se mostrou mais leve na primeira pesagem e, como tal, sabemos
que ela só pode ser uma peça mais leve do que as outras.
§ 33/92. Segundo caso: mudança
de lado do prato que pesa mais. Trata-se, nessa situação,
de que a peça ruim mudou de prato. Encontra-se, portanto, entre
as três que saíram do prato que se revelara mais pesado
na primeira pesagem e, como tal, sabemos que só pode ser uma peça
mais pesada do que as outras.
§ 34/92. Terceiro caso: a balança
continua inclinada para o mesmo lado que na primeira pesagem. É que
a peça ruim se encontra entre as duas que não foram
mexidas. E sabemos ainda que, se ela é a peça que permaneceu
no prato mais pesado, só pode tratar-se de uma peça mais
pesada, e, se for a outra, só pode ser uma peça mais
leve que as demais.
A terceira pesagem nos três casos
§ 35/92. Levado a esse grau de disjunção,
o problema já não oferece resistência séria.
§ 36/92. Com efeito, uma peça, sobre
a qual já se determinou que deve ser mais leve, num dos casos, e
mais pesada, no outro, será identificada entre três, numa pesagem
que porá na balança duas delas, e na qual ela aparecerá
sem ambigüidade; caso contrário, revelará ser a terceira.
§ 37/92. Quanto ao terceiro caso, só
temos que juntar as duas peças suspeitas num mesmo prato e guarnecer
o outro com duas quaisquer das demais peças, já então
depuradas de qualquer suspeita, para que a pesagem aponte a peça
ruim. De fato, o prato com as peças suspeitas certamente se manifestará,
seja como mais pesado, seja como mais leve que o outro, pois seguramente
carrega uma peça pesada demais ou uma peça leve demais, e então
saberemos qual delas incriminar, por mais que tenhamos perdido de vista
a individualidade de cada uma, ou, dito de outra maneira, de qual prato da
segunda pesagem ela proveio.
§ 38/92. Eis então o problema resolvido.
A coleção máxima
acessível a n pesagens
§ 39/92. Podemos nós deduzir, a partir daí,
a regra que, num determinado número de pesagens, nos daria o número
máximo de peças entre as quais essas pesagens permitiriam
detectar uma e apenas uma, caracterizada por uma diferença ambígua
- em outras palavras, a razão da série das coleções
máximas determinadas por uma aceitação crescente de
pesagens?
§ 40/92. Com efeito, podemos ver que, se
duas pesagens são necessárias para identificar a peça
ruim numa coleção de quatro, e se três nos permitem resolver
o problema das doze, é porque duas pesagens continuam a ser suficientes
para descobrir a peça entre oito, desde que uma primeira pesagem
tenha repartido duas metades entre as quais se dividem a suspeita do excesso
e a da falta. Comprovaremos facilmente que uma aplicação adequada
da rotação tripartite permite estender essa regra às
coleções superiores, e que quatro pesagens resolvem com facilidade
o problema de 36 peças, e assim sucessivamente, multiplicando por
3 o número N de peças todas as vezes que atribuirmos uma unidade
a mais ao número n de pesagens permitidas.
§ 41/92. Formulando N como igual a 4 vezes
3n-2, será que determinamos o número
máximo de peças acessível à depuração
de n pesagens? Bastará tentarmos esse teste para constatar que o número,
de fato, é maior, e que a razão disso já está
patente no nível de nosso problema.
§ 42/92. O Sr. Le Lionnais, quer por haver
obedecido ao preceito tradicional que ordena que, quando alguém sabe
dez coisas, só deve ensinar nove, quer por benevolência ou
malícia, mostra ter-nos facilitado demais as coisas.
§ 43/92. Apesar de seu dado nos conduzir,
de fato, a um procedimento que conserva seu valor, veremos que a compreensão
do problema ficaria mutilada para quem não percebesse que três
pesagens são capazes de detectar a peça ruim não somente
entre doze, mas entre treze.
§ 44/92. Demonstremos isso agora.
O problema das treze
§ 45/92. As oito primeiras peças representam
bem tudo o que pode ser posto em jogo na primeira pesagem. E, na eventualidade
de todas elas serem boas, caso que contemplamos acima em primeiro lugar,
restarão cinco peças, entre as quais duas pesagens nos pare¬cem
insuficientes para determinar qual a peça ruim, e elas real¬mente
o seriam, se, nesse nível do problema, essas cinco peças fossem
os únicos elementos de que dispuséssemos.
§ 46/92. Com efeito, ao examinar o problema
limitado a duas pesagens, fica claro que o número de quatro peças
é o máximo acessível ao alcance delas. Podemos ainda
observar que apenas três peças podem ser efetivamente postas
à prova aí, nunca vindo a quarta a ser colocada num dos pratos
e só sendo incriminada, no caso extremo, com base no dado que atesta
a existência de uma peça ruim.
§ 47/92. A mesma observação
é válida para o grupo que estamos considerando como resíduo
no problema superior (e valerá apenas para este único caso,
porque a detecção de uma peça por eliminação,
durante uma pesagem em que ela não entre, como observamos noutros
momentos possíveis do problema, decorre do fato de sua presença
num grupo ter-se manifestado efetivamente numa pesagem anterior).
§ 48/92. Mas, quando nosso grupo de cinco
peças nos é dado como resíduo, o caso não é
semelhante ao das quatro peças isoladas. É que, aqui, outras
peças, pela pesagem anterior, foram reconhecidas como boas, e uma
só já é o bastante para modificar o alcance das duas
pesagens que nos são concedidas.
A posição por-três-e-um
§ 49/92. Com efeito, dignemo-nos considerar a seguinte
figura:
Figura 02.
§ 50/92. Admitiremos reconhecer aí os dois
pratos da balança, havendo num deles, sob a forma de um círculo
cheio, a peça boa que introduzimos nesse mesmo prato com uma das
cinco peças suspeitas e, no outro, mais um par dessas cinco peças.
Tal será a disposição de nossa segunda pesagem.
§ 51/92. Dois casos:
§ 52/92. Ou os pratos se equilibrarão
e a peça ruim deverá ser encontrada entre as duas restantes
das cinco peças, numa pesagem que a revelará numa delas ao
testá-la com a mesma peça boa, que aqui ainda nos basta, sem
o que teremos de reconhecê-la na última e não testada;
§ 53/92. Ou um dos pratos prevalecerá
e constataremos que a suspeita se divide, mas, aqui, de maneira desigual:
entre uma única peça, suspeita num sentido, e duas, que o
são no sentido inverso.
§ 54/92. Bastará então que
tomemos uma das duas restantes, nesse mo¬mento garantidas como boas,
para substituí-la pela peça suspeita isolada, e que substituamos
por esta última uma das duas suspeitas do par, assim executando a
mais reduzida das rotações tripartites, ou rotação
tripla, para que o resultado nos seja imediatamente visível numa
terceira pesagem:
§ 55/92. - ou o mesmo prato prevalecerá,
evidenciando a peça ruim naquela das duas do par que não tiver
se mexido;
§ 56/92. - ou haverá equilíbrio,
mostrando que a peça ruim é a outra do par que foi expulso
do prato;
§ 57/92. - ou, alterando-se o lado que prevalece,
a peça ruim será a peça isolada que mudou de prato.
§ 58/92. A disposição decisiva
aqui, aquela que ordena a pesagem das três peças suspeitas
com uma peça boa, nós a designamos como posiçao por-três-e-um.
§ 59/92. Essa posição por-três-e-um
é a forma original da lógica da suspeita. Cometeríamos
um erro ao confundi-la com a rotação tripartite, embora ela
se resolva nessa operação. Ao contrário, podemos ver
que somente essa posição dá à operação
sua plena eficácia em nosso problema. E, do mesmo modo que ela aparece
como o verdadeiro recurso para resolvê-lo, só ela permite também
revelar seu sentido autêntico. É o que demonstraremos agora.
O problema das quarenta
§ 60/92. Passemos, com efeito, ao problema
de quatro pesagens, para averiguar até que número de peças
se estenderá seu alcance, nas mesmas condições do problema.
§ 61/92. Logo percebemos que uma primeira
pesagem pode envolver com sucesso não apenas duas vezes doze peças,
conforme a regra sugerida pela primeira resolução do chamado
problema das doze, mas também duas vezes treze peças.
§ 62/92. Com efeito, aparecendo o desequilíbrio,
a rotação tripartite, efetuada com a contribuição
de nove peças boas, é capaz de detectar entre as 26 da primeira
pesagem a peça ruim em três pesagens.
§ 63/92. A pesagem depois do tri as
separará, com efeito, em dois grupos de nove de suspeita unívoca,
em cujo caso uma terceira pesagem de três contra três evidenciará
a presença da peça ruim, seja num desses grupos, seja no das
três restantes, ou, haja o que houver, ela será enfim isolada
por uma quarta e última pesagem, e num grupo de oito, de suspeita
dividida, no qual já sabemos encontrar a peça em duas pesagens.
§ 64/92. Mas, havendo-se revelado boas as
26 primeiras peças, restar-nos-ão três pesagens, e é
aí que a posição por-três-e-um demonstrará
seu valor.
§ 65/92. Para ocupar o campo com um novo
tri, ela nos indicará, com efeito, que ponhamos em jogo não
apenas quatro peças contra quatro, como sugere o estudo do caso das
três pesagens, porém cinco peças contra quatro, complementadas
por uma peça boa. Após as demonstrações precedentes,
a figura seguinte bastará para demonstrar a solubilidade da posição
elas nove peças, quando a ruim for revelada pelo desequilíbrio
dos pratos.
§ 66/92. Vemos a seguir o esquema do tri,
que, na prova da terceira pesagem, revelará em que grupo de três
suspeitas está a peça ruim, bastando uma quarta para isolá-la
na totalidade dos casos.
§ 67/92. Mas, se o equilíbrio dos pratos evidenciar
que a peça ruim ainda não está ali, reduzidos que ficaremos,
a partir disso, à margem de duas pesagens, agiremos como no nível
correspondente do problema das treze, colocando três novas peças
suspeitas na ba¬lança, duas contra uma, com a ajuda de uma peça
boa, e, não vendo revelar-se assim a presença buscada (e portanto,
isolável na pesagem seguinte), restará uma pesagem para testar
mais uma peça, e até poder designar a peça ruim, numa
outra e última pesagem, unicamente com base no dado de que essa peça
existe.
§ 68/92. Daí resultará que,
na prova de quatro pesagens:
26
+ 9 + 3 + 1 + 1 = 40 peças são acessíveis.
Figura 03:
A regra geral da condução
das operações
§ 69/92. Se reproduzirmos a mesma investigação
com um número superior de peças, veremos destacar-se a regra
que ordena a condução das operações nessa investigação.
Ela é:
§ 70/92. Pôr em jogo o tri,
se a peça ruim revelar sua presença entre as envolvidas na
primeira pesagem. Caso contrário:
§ 71/92. Introduzir a posição
por-três-e-um, desde que disponhamos de uma peça boa,
isto é, nas condições aqui expostas, desde a ordenação
da segunda pesagem, e renová-la com todas as pesagens que se seguirem,
até que a peça ruim revele sua presença numa delas.
§ 72/92. Empregar então a rotação
tripartite, que é o momento decisivo de toda a operação.
A posição por-três-e-um isola-se num dos grupos,
cuja disjunção é efetuada pelo tri.
§ 73/92. Se a pesagem que conclui esse tri
identificar a peça no referido grupo, único caso complexo
a ser resolvido, repetir nele o tri, com a mesma possibilidade de
que se mantenha a posição por-três-e-um e a mesma
indicação para resolvê-la, até o esgotamento.
§ 74/92. Algumas regras suplementares deveriam
ser acrescentadas para a condução da investigação
numa coleção qualquer, isto é, não máxima.
A razão da série das coleções
máximas
§ 75/92. Mas estas regras nos permitem ver
que cinco pesagens poderão atingir, no máximo:
1 + 1 + 3 + 9 + 27 + 80 = 121 peças;
§ 76/92. - que seis pesagens atingirão:
1 + 1 + 3 + 9 + 27 + 81 + 242 = 364 peças (número singular),
e assim sucessivamente:
§ 77/92. - que, sob forma algébrica,
a verdadeira fórmula de n anteriormente buscada será
tal que:
n = 1 + 1 + 3 + 32 + 33 ... + 3n-1 -1),
§ 78/92. ou: n = 1 + 3 + 32 + 33 ... + 3n-1,
em que vemos que cada número N correspondente a um número
n de pesagens é obtido através da multiplicação
do número N', que corresponde a (n-1) pesagens, por 3, acrescentando-se
uma unidade a esse produto.
§ 79/92. Essa fórmula exprime com
perfeita evidência o poder tripartidor da balança a partir da
segunda pesagem e, como tal, evidencianos, por seu simples aspecto, que as
operações foram ordenadas de tal maneira que preenchem todo
o campo numérico oferecido a esse poder.
§ 80/92. Essa confirmação é
especialmente importante para os primeiros números da série,
por demonstrar a adequação deles à forma lógica
da pesagem, e, particularmente, para o número treze, na medida em
que o aparente artifício das operações que nos fizeram
determiná-lo poderia deixar-nos em dúvida, quer quanto ao fato
de uma nova junção permitir superá-lo, quer quanto ao
fato de ele deixar vazia uma margem fracionada na dependência de alguma
descontinuidade irredutível no arranjo de operações
de aspecto dissimétrico.
O sentido do número treze
§ 81/92. Por conseguinte, o número treze mostra
seu sentido como exprimindo a posição por-três-e-um
- e não, certamente, por ser escrito com esses dois algarismos: isso
não passa de pura coincidência, pois esse valor lhe pertence,
independentemente de sua referência ao sistema decimal. Ele decorre
de que, representando o treze a coleção determinada por três
pesagens, a posição por-três-e-um exige, para
seu desenvolvimento, três provas: a primeira, para poder fornecer o
indivíduo depurado de suspeita, a segunda, que divide a suspeita entre
os indivíduos que ela inclui, e uma terceira que os discrimina, depois
da rotação tripla. (Isso, diferentemente da operação
do tri, que exige apenas duas.)
A forma lógica da suspeita
§ 82/92. Mas, à luz da fórmula
de N, podemos avançar mais na compreensão da posição
por-três-e-um como forma lógica ao mesmo tempo que
demonstrar que, em nosso problema, o dado, embora contingente, não
é arbitrário.
§ 83/92. Se o sentido desse problema se relaciona
com a lógica da coleção, na qual ele manifesta a forma
original que designamos pelo termo suspeita, é porque a norma com
que se relaciona a diferença ambígua que ele supõe não
é uma norma especificada nem especificadora, mas apenas uma relação
de indivíduo para indivíduo dentro da coleção
- uma referência não à espécie, mas ao uniforme.
§ 84/92. Isso é o que se evidencia
quando, continuando dado que o indivíduo portador da diferença
ambígua é único, suprime-se o dado de sua existência
na coleção, para substituí-la pelo concurso de um indivíduo
padrão, dado fora da coleção.
§ 85/92. Assim, podemos surpreender-nos ao
constatar que rigorosamente nada se modificou nas formas nem nos números
a serem determinados pelo novo dado aplicado a nosso problema.
§ 86/92. Aqui, certamente, devendo as peças
ser testadas até a última, nenhuma poderá ser ti da
como ruim na posição de resíduo externo à última
pesagem, e o alcance dessa pesagem será diminuído em uma unidade.
Mas a peça-padrão, pelo fato de podermos dispor dela no início,
nos permitirá introduzir a posição por-três-e-um
[103] desde a primeira pesagem e aumentará em uma unidade o grupo
incluído nesta. Ora, o dado dessa peça, que parece de tão
grande valor para nossa intuição, formada na lógica
classificatória, não terá absolutamente nenhum outro
efeito.
§ 87/92. Nisso se evidencia que a uniformidade
dos objetos do dado em nosso problema não constitui uma classe, e
que cada peça tem que ser pesada individualmente.
§ 88/92. De fato, seja qual for o número
dos indivíduos em causa em nosso problema, o caso exige ser reduzido
ao que é revelado pela pesagem única: à noção
absoluta da diferença, raiz da forma da suspeita.
§ 89/92. Essa referência do indivíduo
a cada um de todos os demais é a exigência fundamental da lógica
da coleção, e nosso exemplo demonstra que ela está
longe de ser impensável.
A balança do Juízo Final
§ 90/92. Para exprimi-la no registro de um
sonho que obceca os homens, o do Juízo Final, indicaremos que, fixando-se
em bilhões o número dos seres que essa grandiosa manifestação
implicaria, e só se podendo conceber sua perspectiva a partir da
alma como única, a testagem de um por todos os outros, de acordo
com a ambigüidade pura da pesagem que representam para nós as
figuras tradicionais, se efetuaria, com extrema largueza, em 26 etapas, e
portanto a cerimônia não teria nenhuma razão para se
arrastar por um tempo prolongado.
§ 91/92. Dedicamos este apólogo àqueles
para quem a síntese do particular com o universal tem um sentido
político concreto. Quanto aos outros, que se esforcem por aplicar
à história de nossa época as formas que demonstramos
aqui.
O fenômeno do número
e o retorno à lógica
§ 92/92. Ao procurar novamente nos números
uma função geradora para o fenômeno, parecemos retomar
a antigas especulações cujo caráter aproximativo fez
com que fossem rejeitadas pelo pensamento moderno. É que nos parece,
justamente, que é chegado o momento de recuperar esse valor fenomenológico,
sob a condição de que sua análise seja levada ao rigor
extremo. Provavelmente, aí aparecerão singularidades que,
apesar de não deixarem de ter uma analogia estilística com
as que se manifestam na física, ou mesmo na pintura ou no novo estilo
de xadrez, desconcertarão os espíritos, ali onde sua formação
não passa de habito, dando-lhes a sensação de uma quebra
da harmonia que chegaria a dissolver os princípios. Se sugerimos
precisamente que é preciso efetuar um retorno à lógica,
é para reencontrar sua base, sólida como a rocha, e não
menos implacável quando entra em movimento.
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Nota da BSFREUD:
Esse texto foi
escaneado por José Luiz Caon e aqui publicado por sua gentil autorização.
FONTE: LACAN, J.
Outros Escritos: Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 2003, pp. 91-105.