Página da BIBLIOTECA SIGMUND FREUD
INTRODUÇÃO TEÓRICA
ÀS FUNÇÕES DA PSICANÁLISE
EM CRIMINOLOGIA
Jacques Lacan
COMUNICAÇÃO PARA A XIII CONFERÊNCIA
DOS PSICANALISTAS DE LÍNGUA FRANCESA
EM COLABORAÇÃO COM MICHEL CÉNAC.
(29 DE MAIO DE 1950)
Publicado na Revue Française de Psychanalyse, vol. IV, nº 01,
janeiro-março de 1951, p. 07-29.
SECÇÃO 01: Do movimento da verdade
nas ciências do homem.
§01/ Se a teoria nas ciências físicas
nunca escapou realmente à exigência de coerência interna
que constitui o próprio movimento do conhecimento, as ciências
do homem, por se encarnarem em comportamentos na própria realidade
de seu objeto, não pode eludir a questão de seu sentido, nem
fazer com que a resposta se imponha em termos de verdade.
§02/ Que a realidade do homem implique esse
processo de revelação, eis aí um fato que fundamenta
para alguns pensar a história como uma dialética inscrita
na matéria; é inclusive uma verdade que nenhum ritual de proteção
"behaviorista" do sujeito frente a seu objeto há de castrar com sua
agudeza criadora e mortal, e que faz do próprio estudioso, devoto
do "puro" conhecimento, um responsável em primeiro grau.
§03/ Ninguém sabe disso melhor que
o psicanalista, que, no entendimento do que lhe confia seu sujeito assim
como no manejo dos comportamentos condicionados pela técnica, age
por uma revelação cuja verdade condiciona a eficácia.
§04/ Por outro lado, não seria a busca da verdade
o que constitui o objeto da criminologia na ordem das coisas judiciárias,
e também o que unifica suas duas faces: a verdade do crime em sua
face policial, a verdade do criminoso em sua face antropológica?
§05/ Em que contribuem para essa busca a técnica
que norteia nosso diálogo com o sujeito e as noções
que nossa experiência definiu em psicologia, eis o problema que constituirá
hoje nosso propósito: menos para falar de nossa contribuição
ao estudo da [127]* delinqüência - exposta nos outros
relatórios - do que para estabelecer seus limites legítimos,
e por certo não para propagar a letra de nossa doutrina sem uma preocupação
de método, mas para repensá-la, como nos é recomendado
fazer incessantemente, em função de um novo objeto.
SECÇÃO 02: Da realidade sociológica
do crime e da lei, e da relação da psicanálise com
seu fundamento dialético.
§06/ Nem o crime nem o criminoso são objetos que
se possam conceber fora de sua referência sociológica.
§07/ A máxima "é a lei que faz o pecado"
continua a ser verdadeira fora da perspectiva escatológica da Graça
em que são Paulo a formulou.
§08/ Ela é cientificamente confirmada pela constatação
de que não há sociedade que não comporte uma lei positiva,
seja esta tradicional ou escrita, de costume ou de direito. Tampouco existe
aquela em que não apareçam no grupo todos os graus de transgressão
que definem o crime.
§09/ A pretensa obediência "inconsciente", "forçada"
ou "intuitiva" do primitivo à regra do grupo é uma concepção
etnológica, fruto de uma insistência imaginária que
lançou seu reflexo sobre muitas outras concepções das
"origens", porém tão mítica quanto elas.
§10/ Toda sociedade, por fim, manifesta a relação
do crime com a lei através de castigos cuja realização,
sejam quais forem suas modalidades, exige um assentimento subjetivo. Quer
o criminoso, com efeito, se constitua ele mesmo no executor da punição
que a lei dispõe como preço do crime - como no caso do incesto
cometido nas ilhas Trobriand entre primos matrilineares, e cujo desfecho
Malinowski nos relata em seu livro, capital nessa matéria, sobre O
crime e o costume nas sociedades selvagens (e não importam as
motivações psicológicas em que se decompõe a
razão do ato, nem tampouco as oscilações de vendeta
que as maldições do suicida podem gerar no grupo) -, quer a
sanção prevista por um código penal comporte um processo
que exija aparelhos sociais muito diferenciados, esse assentimento subjetivo
é necessário à própria significação
da punição. [128]*
§11/ As crenças mediante as quais essa punição
se motiva no indivíduo, assim como as instituições
pelas quais ela passa ao ato no grupo, permitem-nos definir numa dada sociedade
aquilo que designamos, na nossa, pelo termo responsabilidade.
§12/ Mas, é preciso que a entidade responsável
seja sempre equivalente. Digamos que se, primitivamente, é a sociedade
em seu conjunto (sempre fechado, em princípio, como realçaram
os etnólogos) que é considerada afetada, pelo fato de que
um de seus membros deva ser restabelecido de um desequilíbrio, esse
membro é tão pouco responsável como indivíduo
que, muitas vezes, a lei exige satisfações à custa
ou bem de um dos defensores ou bem da coletividade de um "in-group" que o
encobre.
§13/ Ocorre até que a sociedade se considere tão
alterada em sua estrutura que recorre a processos de exclusão do
mal sob a forma de um bode expiatório, ou então de regeneração
através de um recurso externo. Responsabilidade coletiva ou mística
da qual nossos costumes trazem os vestígios, quando não tenta
vir novamente à luz por meios invertidos.
§14/ Mas, também nos casos em que a punição
limita-se a atingir o indivíduo fautor do crime, não é
na mesma função nem, se quisermos, na mesma imagem dele mesmo
que ele é tido como responsável, o que fica evidente ao refletirmos
sobre a diferença da pessoa que tem que responder por seus atos conforme
seu juiz represente o Santo Ofício ou presida o Tribunal do Povo.
§15/ É aí que a psicanálise, pelas
instâncias que distingue no indivíduo moderno, pode esclarecer
as vacilações da noção de responsabilidade em
nossa época e o advento correlato de uma objetivação
do crime para a qual ela pode colaborar.
§16/ Pois, com efeito, se em razão
de limitar ao indivíduo a experiência que ela constitui, ela
não pode ter a pretensão de apreender a totalidade de qualquer
objeto sociológico, nem tampouco o conjunto das motivações
atualmente em ação em nossa sociedade, persiste o fato de que
ela descobriu tensões relacionais que parecem desempenhar em todas
as sociedades uma função basal, como se o mal-estar da civilização
desnudasse a própria articulação da cultura com a natureza.
Podemos estender suas equações, com a ressalva de efetuar
sua transformação correta, às ciências do homem
que podem utilizá-las e, especialmente, como veremos, à criminologia.
[129]*
§17/ Acresce que, se o recurso à confissão
do sujeito, que é uma das chaves da verdade criminológica,
e a reintegração na comu¬nidade social, que é uma
das finalidades de sua aplicação, parecem encontrar uma forma
privilegiada no diálogo analítico, isso se dá, antes
de mais nada, porque, podendo ser levado às significações
mais radicais, esse diálogo aproxima-se do universal que está
incluído na linguagem e que, longe de podermos eliminá-lo da
antropologia, constitui seu fundamento e seu fim, pois a psicanálise
é apenas uma extensão técnica que explora no indivíduo
o alcance da dialética que escande as produções de nossa
sociedade e onde a máxima pauliniana recupera sua verdade absoluta.
§18/ A quem nos perguntar aonde nos leva tal colocação,
responderemos, com o risco gratamente assumido de descartar a jactância
clínica e o farisaísmo preventivo, remetendo-o a um dos diálogos
que nos relatam os atos do herói da dialética e, em especial,
ao Górgias, cujo subtítulo, invocando a retórica
e bem feito para distrair a incultura contemporânea, contém
um verdadeiro tratado do movimento do Justo e do Injusto.
§19/ Ali, Sócrates refuta a enfatuação
do Mestre/Senhor, encarnado num homem livre dessa polis antiga cujo limite
é dado pela realidade do Servo. Forma que abre caminho para o homem
livre da Sabedoria, ao reconhecer o absoluto da Justiça nela estabelecido
em virtude da simples linguagem, sob a maiêutica do Interlocutor.
Assim, Sócrates, não sem fazê-lo aperceber-se da dialética,
tão sem fundo quanto o tonel das Danaides, das paixões do
poder, nem poupá-lo de reconhecer a lei de seu próprio ser
político na injustiça da pólis, acaba por incliná-lo
ante os mitos eternos em que se exprime o sentido do castigo, da emenda para
o indivíduo e do exemplo para o grupo, muito embora ele próprio,
em nome do mesmo universal, aceite o destino que lhe cabe e se submeta de
antemão ao veredicto insensato da polis que o fez homem.
§20/ Nada há de inútil, com efeito, em
lembrar o momento histórico em que nasceu uma tradição
que condicionou o aparecimento de todas as nossas ciências e na qual
se afirmou o pensamento do iniciador da psicanálise, quando ele proferiu
com uma confiança patética: "A voz do intelecto é baixa,
mas não pára enquanto não se faz ouvida" - onde cremos
ouvir, num eco abafado, a própria voz de Sócrates dirigindo-se
a Cálicles: "A filosofia diz sempre a mesma coisa." [130]*
SECÇÃO 03: Do crime que exprime o simbolismo
do supereu como instância psicopatológica: se a psicanálise
irrealiza o crime, ela não desumaniza o criminoso.
§21/ Se nem sequer podemos captar a realidade concreta
do crime sem referi-lo a um simbolismo cujas formas positivas coorde¬nam-se
na sociedade, mas que se inscreve nas estruturas radicais que a linguagem
transmite inconscientemente, esse simbolismo foi também o primeiro
sobre o qual a experiência psicanalítica demonstrou, através
de efeitos patogênicos, a que limites até então desconhecidos
ele repercute no indivíduo, tanto em sua fisiologia quanto em sua
conduta.
§22/ Assim, foi partindo de uma das significações
de relação que a psicologia das "sínteses mentais"
recalcava ao máximo em sua reconstrução das funções
individuais que Freud inaugurou a psicologia que se reconheceu bizarramente
como sendo a das profundezas, sem dúvida em razão do alcance
totalmente superficial daquilo cujo lugar ela tomou.
§23/ Esses efeitos, dos quais ela descobriu o sentido,
ela os designou audaciosamente pelo sentimento que lhes é correspondente
na vivência: a culpa.
§24/ Nada poderia manifestar melhor a importância
da revolução freudiana do que o uso técnico ou vulgar,
implícito ou rigoroso, confesso ou sub-reptício, que é
feito em psicologia dessa verdadeira categoria onipresente desde então,
de tão desconhecida que era - nada, a não ser os estranhos
esforços de alguns para reduzi-la a formas "genéticas" ou "objetivas",
trazendo a garantia de um experimentalismo "behaviorista" que há muito
se haveria calado, caso se abstivesse de ler nos fatos humanos as significações
que os especificam como tais.
§25/ E mais, a primeira situação,
cuja noção ainda somos devedores à iniciativa freudiana
por tê-la introduzido em psicologia para que ela ali obtivesse, no
correr do tempo, o mais prodigioso sucesso - primeira situação,
dizemos, não como confronto abstrato esboçando uma relação,
mas como crise dramática que se resolve como estrutura -, é
justamente a do crime em suas duas formas mais abominadas, o Incesto e o
Parricídio, cuja sombra engendra toda a patogênese do Édipo.
§26/ E concebível que, havendo recebido na psicologia
tamanha contribuição do social, o médico Freud tenha
ficado tentado a [131]* lhe fazer algumas retribuições
e que, com Totem e tabu, em 1912, tenha querido demonstrar no crime
primordial a origem da Lei universal. Não importa a que crítica
de método esteja sujeito esse trabalho, o importante foi que ele
reconheceu que com a Lei e o Crime começava o homem, depois de o
clínico haver mostrado que suas significações sustentavam
inclusive a forma do indivíduo, não apenas em seu valor para
o outro, mas também em sua ereção para si mesmo.
§27/ Assim veio à luz a concepção do supereu,
inicialmente fundamentada em efeitos de censura inconsciente que explicavam
estruturas psicopatológicas já identificadas, logo depois
esclarecendo as anomalias da vida cotidiana e, por último, correlata
à descoberta de uma morbidez imensa, ao mesmo tempo que de seus móveis
psicogenéticos: a neurose de caráter, os mecanismos do fracasso,
as impotências sexuais, "der gehemmte Mensch".
§28/ Revelou-se assim uma imagem moderna ao homem que contrastava
estranhamente com as profecias dos pensadores do fim do século, imagem
tão derrisória para as ilusões alimentadas pelos libertários
quanto para as inquietações inspiradas nos moralistas pela
emancipação das crenças religiosas e pelo enfraquecimento
dos laços tradicionais. À concupiscência que reluzia
nos olhos do velho Karamazov quando ele interrogava seu filho - "Deus está
morto, agora tudo é permitido" -, esse homem, o mesmo que sonha com
o suicídio niilista do herói de Dostoievski ou se obriga a
encher a lingüiça nietzschiana, res¬ponde com todos os seus
males e com todos os seus gestos: -"Deus está morto, nada mais é
permitido."
§29/ Esses males e esses gestos, a significação da
autopunição os abrange a todos. Caberá então
estendê-la a todos os criminosos, na medida em que, segundo a fórmula
pela qual se exprime o humor glacial do legislador, como ninguém pode
alegar desconhecer a lei, qualquer um pode prever sua incidência e
deve, portanto, ser tido como procurando seu castigo?
§30/ Esse comentário irônico deve, ao nos obrigar
a definir o que a psicanálise reconhece como crimes ou delitos provenientes
do supereu, permitir-nos formular uma crítica do alcance dessa
noção em antropologia.
§31/ Reportemo-nos às notáveis observações
princeps pelas quais Alexander e Staub introduziram a psicanálise
na criminologia. Seu teor é convincente, quer se trate de "tentativa
de homicídio [132]* de um neurótico", quer dos furtos
singulares do estudante de medicina que não sossegou enquanto não
se fez aprisionar pela polícia berlinense, e que, em vez de adquirir
o diploma a que seus conhecimentos e seus dons reais lhe davam direito,
preferia exercê-los infringindo a lei, quer se trate ainda do "possesso
das viagens de automóvel". Releiamos também a análise
que fez a sra. Marie Bonaparte do caso da sra. Lefebvre: a estrutura mórbida
do crime ou dos delitos é evidente: o caráter forçado
destes na execução, sua estereotipia quando eles se repetem,
o estilo provocador da defesa ou da confissão, a incompreensibilidade
dos motivos, tudo confirma a “coação por uma força
a que o sujeito não pôde resistir”, e os juízes de todos
esses casos concluíram nesse sentido.
§32/ Essas condutas, no entanto, tornam-se perfeitamente
claras à luz da interpretação edipiana. Mas o que as
distingue como mórbidas é seus caráter simbólico.
Sua estrutura psicopatológica não está, de modo algum,
na situação criminal que elas exprimem, mas no modo irreal
dessa expressão.
§33/ Para nos fazermos compreender até o fim, contrastemos
com elas um fato que, apesar de constante nos anais dos exércitos,
adquire toda a sua importância do modo, ao mesmo tempo muito extenso
e seletivo dos elementos associais, pelo qual se efetua há mais de
um século, em nossas populações, o recrutamento dos
defensores da pátria ou da ordem social, qual seja, o gosto que se
manifesta na coletividade assim formada, no dia de glória que a põe
em contato com seus adversários civis, pela situação
que consiste em violar uma ou várias mulheres na presença de
um macho, de preferência idoso e previamente reduzido à impotência,
sem que nada leve a presumir que os indivíduos que a realizam se
distingam, antes ou depois, como filhos ou maridos, como pais ou cidadãos,
da moralidade normal. Fato simples, que bem podemos qualificar de fait
divers, pela diversidade do crédito que lhe é atribuído
conforme sua fonte, e até, propriamente falando, de divertido, pelo
material que essa diversidade oferece às propagandas.
§34/ Dizemos que há nisso um crime real, embora ele seja
praticado precisamente numa forma edipiana, e o fautor seria justificadamente
castigado se as condições heróicas em que se considera
que tenha sido realizado não fizessem, na maioria das vezes, com que
a responsabilidade fosse assumida pelo grupo que encobre o indivíduo.
[133]*
§35/ Reencontramos, pois, as fórmulas límpidas que
a morte de Mauss traz de novo à luz de nossa atenção:
as estruturas da sociedade são simbólicas; o indivíduo,
na medida em que é normal, serve-se delas em condutas reais; na medida
em que é psi¬copata, exprime-as por condutas simbólicas.
§36/ Mas é evidente que o simbolismo assim expresso só
pode ser parcelar, ou, quando muito, pode-se afirmar que ele marca o ponto
de ruptura ocupado pelo indivíduo na rede das agregações
sociais. A manifestação psicopática pode revelar a
estrutura da falha, mas essa estrutura só pode ser tomada por um
elemento na exploração do conjunto.
§37/ Eis por que as tentativas sempre renovadas e sempre falaciosas
de fundamentar na teoria analítica noções como as de
personalidade modal, caráter nacional ou supereu coletivo
devem por nós ser dela distinguidas com o máximo rigor. Compreende-se,
é claro, a atração que uma teoria que deixa transparecer
de maneira tão sensível a realidade humana exerce sobre os
pioneiros de campos da mais incerta objetivação; acaso não
ouvimos um eclesiástico, cheio de boa vontade, prevalecer-se perante
nós de sua intenção de aplicar os dados da psicanálise
ao simbolismo cristão? Para cortar pela raiz essas extrapolações
indevidas, basta sempre referir novamente a teoria à experiência.
§38/ É nisso que o simbolismo, doravante reconhecido na
primeira ordem de delinqüência que a psicanálise isolou
como psicopatológica, deve permitir-nos precisar, em extensão
e em com¬preensão, a significação social do edipianismo,
bem como criticar o alcance da noção de supereu para
o conjunto das ciências do homem.
§39/ Ora, em sua maior parte, senão em sua totalidade, os
efeitos psicopatológicos em que se revelaram as tensões oriundas
do edipianismo, não menos do que as coordenadas históricas
que impuseram esses efeitos ao talento investigativo de Freud, permitem-nos
pensar que eles exprimem uma deiscência do grupo familiar no seio da
sociedade. Essa concepção, que se justifica pela redução
cada vez mais estreita desse grupo à sua forma conjugal, e pela conseqüência
que se segue do papel formador cada vez mais exclusivo que lhe é reservado
nas primeiras identificações da criança e na aprendizagem
das primeiras disciplinas, explica o aumento do poder captador desse grupo
sobre o indivíduo, na medida mesma do declínio de seu poder
social. [134]*
§40/ Evoquemos apenas, para fixar as idéias, o fato de que,
numa sociedade matrilinear como a dos Zuni ou dos Hopi, os cuidados com
a criança, a partir do momento de seu nascimento, cabem por direito
à irmã de seu pai, o que a inscreve, desde que ela vem à
luz, num duplo sistema de relações parentais, que se enriquecerão
a cada etapa de sua vida por uma crescente complexidade de relações
hierarquizadas.
§41/ Está portanto superado o problema de comparar as vantagens
que pode apresentar, para a formação de um supereu
suportável para o indivíduo, uma certa pretensa organização
matriarcal da família, em relação ao triângulo
clássico da estrutura edipiana. A experiência deixou patente,
doravante, que esse triângulo é apenas a redução
ao grupo natural, efetuada por uma evolução histórica,
de uma formação em que a autoridade reservada ao pai, único
traço subsistente de sua estrutura original, mostra-se, de fato,
cada vez mais instável ou obsoleta, e as incidências psicopatológicas
dessa situação devem ser referidas tanto à escassez
das relações grupais que ela assegura ao indivíduo
quanto à ambivalência cada vez maior de sua estrutura.
§42/ Essa concepção confirma-se pela noção
de delinqüência latente a que Aichhorn foi conduzido, ao aplicar
a experiência analítica aos jovens de quem estava encarregado
a título de uma jurisdição especial. Sabemos que Kate
Friedlander elaborou dela uma concepção genética, sob
a rubrica do "caráter neurótico", e também que os críticos
mais informados, desde o próprio Aichhom até Glover, pareceram
surpreender-se com a incapaci¬dade da teoria de distinguir a estrutura
desse caráter, enquanto criminogênica, da estrutura da neurose,
onde as tensões permanecem latentes nos sintomas.
§43/ A colocação aqui trabalhada permite entrever
que o "caráter neurótico" é o reflexo, na conduta individual,
do isolamento do grupo familiar, cuja posição associal esses
casos sempre demonstram, ao passo que a neurose exprime, antes, suas anomalias
estruturais. Aliás, o que exige uma explicação é
menos a pas¬sagem ao ato delituoso, num sujeito encerrado no que Daniel
Lagache qualificou, muito justificadamente, de conduta imagi¬nária,
do que os processos pelos quais o neurótico adapta-se parcialmente
ao real: trata-se, como sabemos, dessas mutilações autoplásticas
que podemos reconhecer na origem dos sintomas.
§44/ Essa referência sociológica do "caráter
neurótico" concorda, de resto, com a gênese que dele fornece
Kate Friedlander, se é exato resumi-la como a repetição,
através da biografia do sujeito, das frustrações pulsionais
que estariam como que detidas num curto-circuito na situação
edipiana, sem nunca mais se engajar numa elaboração estrutural.
§45/ A psicanálise, em sua apreensão dos crimes determinados
pelo supereu, tem como efeito, portanto, irrealizá-los. No que se
harmoniza com um obscuro reconhecimento que há muito se impôs
aos melhores dentre aqueles a quem coube assegurar a aplicação
da lei.
§46/ Aliás, as vacilações registradas na consciência
social ao longo de todo o século XIX, quanto à questão
do direito de punir, são características. Seguro de si e até
implacável, desde que apareça uma motivação
utilitária - a ponto de o uso inglês da época tomar
o pequeno delito, até mesmo de furto, que desse ensejo a um homicídio,
como equivalente à premeditação que define o assassinato
(cf. Alimena, La premeditazione) -, o pensamento dos penalogistas
hesita diante do crime em que surgem instintos cuja natureza escapa ao registro
utilitarista no qual se manifesta o pensamento de um Bentham.
§47/ Uma primeira resposta foi dada pela concepção
lombrosiona nos primórdios da criminologia, considerando esses instintos
atávicos e fazendo do criminoso um sobrevivente de uma forma arcaica
da espécie, biologicamente isolável. Resposta da qual podemos
dizer que trai sobretudo uma regressão filosófica muito mais
real em seus autores, e cujo sucesso só pode explicar-se pelas satisfações
que a euforia da classe dominante podia exigir, tanto para seu conforto
intelectual quanto para sua consciência pesada.
§48/ Havendo as calamidades da Primeira Guerra Mundial marcado
o fim dessas pretensões, a teoria lombrosiana foi devolvida aos tempos
d'antanho, e o mais simples respeito pelas condições apropriadas
a qualquer ciência humana, as quais julgamos ter que relembrar em
nosso exórdio, impôs-se até mesmo ao estudo do criminoso.
§49/ The Individual Offender, de Healy, marcou época
no retorno aos princípios, instituindo antes de mais nada o de que
esse estudo devia ser monográfico. Os resultados concretos trazidos
pela psicanálise marcam uma outra época, tão decisiva
pela [136]* confirmação doutrinária que eles
dão a esse princípio quanto pela amplitude dos fatos valorizados.
§50/ Do mesmo modo, a psicanálise soluciona um dilema da
teoria criminológica: ao irrealizar o crime, ela não desumaniza
o criminoso.
§51/ Mais ainda, pela mola da transferência ela dá
acesso ao mundo imaginário do criminoso, que pode ser para ele a
porta aberta para o real.
§52/ Observem-se aqui a manifestação espontânea
dessa mola na conduta do criminoso e a transferência que tende a se
produzir para a pessoa de seu juiz, da qual seria fácil colher provas.
Citemos apenas, pela beleza do fato, as confidências do chamado Frank
ao psiquiatra Gilbert, encarregado da boa apresentação dos
réus no processo de Nuremberg: esse Maquiavel derrisório, e
neurótico a tal ponto que a ordem insensata do fascismo confiou-lhe
suas grandes obras, sentia o remorso agitar sua alma ante a simples aparência
de dignidade encarnada na figura de seus juízes, particularmente a
do juiz inglês, "tão elegante", em suas palavras.
§53/ Os resultados obtidos com "grandes" criminosos por Melitta
Schmideberg, embora sua publicação esbarre no obstáculo
com que deparam todas as nossas análises, mereceriam ser acompanhados
em sua catamnese.
§54/ Seja como for, os casos que decorrem claramente do edipianismo
deveriam ser confiados ao analista, sem nenhuma das limitações
que podem entravar sua ação.
§55/ Como não fazer a experiência inteira disso, quando
a penalogia justifica-se tão mal que repugna à consciência
popular aplicá-la até mesmo aos crimes reais, como
se vê no célebre caso, na América, relatado por Grotjahn
em seu artigo "Searchlights on delinquency", onde se vê o júri
absolver os acusados, para entusiasmo do público, embora todas as
acusações parecessem incriminá-los na prova do assassinato,
simulado de acidente marítimo, dos pais de um deles?
§56/ Concluamos estas considerações completando as
conseqüências teóricas que decorrem da utilização
da noção de supereu. O supereu,
diremos, deve ser tomado como uma manifestação individual,
ligada às condições sociais do edipianismo. Assim é
que as tensões criminosas incluídas na situação
familiar só se tornam patogênicas nas sociedades onde essa própria
situação se desintegra. [137]*
§57/ Nesse sentido, o supereu revela a tensão, tal
como a doença às vezes esclarece uma função
na fisiologia.
§58/ Mas, nossa experiência dos efeitos do supereu,
assim como 'a observação direta da criança à
luz dessa experiência, revela-nos seu surgimento num estádio
tão precoce que ele parece ser contemporâneo
ou mesmo anterior ao surgimento do eu.
§59/ Melanie Klein afirma as categorias do Bom e do Mau no estádio
infans do comportamento, levantando o problema da implicação
retroativa das significações numa etapa anterior ao surgimento
da linguagem. Sabemos como seu método, manejando, sem levar em conta
nenhuma objeção, as tensões do edipia¬nismo numa
interpretação ultraprecoce das intenções da
criança pequena, desatou esse nó pela ação,
não sem provocar discussões apaixonadas em torno de suas teorias.
§60/ O fato é que a persistência imaginária
dos bons e maus objetos primordiais, em comportamentos de fuga que podem colocar
o adulto em conflito com suas responsabilidades, levaria o supereu
a ser concebido como uma instância psicológica que, no homem,
tem uma significação genérica. Essa noção,
no entanto, nada tem de idealista; ela se inscreve na realidade da miséria
fisiológica própria dos primeiros meses de vida do homem,
na qual um de nós insistiu, e exprime a dependência do homem,
genérica de fato em relação ao meio humano.
§61/ Que essa dependência possa surgir como significante
no indivíduo, num estádio incrivelmente precoce de seu desenvolvimento,
não é um fato diante do qual o psicanalista deva recuar.
§62/ Se nossa experiência com os psicopatas levou-nos à
articulação da natureza com a cultura, nela descobrimos essa
instância obscura, cega e tirânica que parece ser a antinomia,
no pólo biológico do indivíduo, do ideal do Dever puro
que o pensamento kantiano coloca como contraparte da ordem incorruptível
do céu estrelado.
§63/ Sempre pronta a emergir da desordem das categorias sociais,
"para recriar, segundo a bela expressão de Hesnard, o Universo mórbido
da falta [faute], essa instância só é apreensível,
contudo, no estado psicopático, isto é, no indivíduo.
§64/ Nenhuma forma do supereu, portanto, é passível
de ser inferida do indivíduo para uma dada sociedade. E o único
supereu coletivo que se pode conceber exigiria uma desagregação
molecular integral da sociedade. É verdade que o entusiasmo em que
vimos [138]* toda uma juventude sacrificar-se por ideais de nada
faz-nos entrever sua realização possível no horizonte
de fenômenos sociais de massa que assim suporiam uma escala universal.
SECÇÃO 04: Do crime em suas relações
com a realidade do criminoso: se a psicanálise fornece sua medida,
ela indica seu móvel social fundamental.
§65/ A responsabilidade, isto é, o castigo, é uma
característica essencial da idéia do homem que prevalece numa
dada sociedade.
§66/ Uma civilização cujos ideais sejam cada vez
mais utilitários, empenhada como está no movimento acelerado
da produção, nada mais pode conhecer da significação
expiatória do castigo. Se ela conserva seu peso exemplar, é
tendendo a absorvê-lo em seu fim correcional. E além do mais,
este muda imperceptivelmente de objeto. Os ideais do humanismo se resolvem
no utilitarismo do grupo. E, como o grupo que faz a lei não está,
por razões sociais, completamente seguro da justiça dos fundamentos
de seu poder, ele se remete a um humanitarismo em que se exprimem igualmente
a revolta dos explorados e a consciência pesada dos exploradores, para
os quais a noção de castigo tornou-se igualmente insuportável.
A antinomia ideológica reflete, aqui como em outros aspectos, o mal-estar
social. Ela agora busca sua solução numa formulação
científica do problema, isto é, numa análise psiquiátrica
do criminoso a que deve reportar-se, após examinar todas as medidas
de prevenção contra o crime e de proteção contra
sua recidiva, o que podemos designar como uma concepção sanitária
da penalogia.
§67/ Essa concepção supõe resolvidas as relações
do direito com a violência e o poder de uma polícia universal.
Com efeito, nós vimos a consideração que recebeu em
Nuremberg e, embora o efeito sanitário desse processo continue duvidoso,
no tocante à supressão dos males sociais que ele pretendia
reprimir, o psiquiatra não poderia ter-lhe faltado, por razões
de "humanidade" que podemos ver que decorrem mais do respeito pelo objeto
humano que da noção do próximo.
§68/ À evolução do sentido do castigo corresponde,
com efeito, uma evolução paralela da formação
da prova do crime. [139]*
§69/ Começando nas sociedades religiosas pelo ordálio
ou pela prova do juramento, em que ou se designa o culpado a partir das
motivações das crenças ou ele oferece seu destino ao
julga¬mento de Deus, a formação da prova, à medida
que se precisa a personalidade jurídica do indivíduo, exige
cada vez mais seu compromisso com a confissão. Por isso é que
toda a evolução humanista do Direito na Europa, que começa
com a redescoberta do Direito romano na Escola de Bolonha e vai até
a completa captação da justiça pelos jurisconsultos
reais e a universalização da noção de direito
das nações (01), é estritamente correlata, no tempo
e no espaço, da difusão da tortura, igualmente inaugurada
em Bolonha como meio de formação da prova do crime. Fato cujo
alcance até hoje não parece ter sido considerado.
__________
01: Jus gentium: a expressão designava outrora
o direito vigente em Roma e nos países submetidos à sua jurisdição;
hoje, aplica-se ao direito internacional. (N.E.)
§70/ É que o desprezo da consciência que se manifesta
no ressurgimento geral dessa prática como método de opressão
oculta-nos que fé ele supõe no homem como procedimento de
aplicação da justiça.
§71/ Se foi no exato momento em que nossa sociedade promulgou os
direitos do homem, ideologicamente baseados na abstração de
seu ser natural, que a tortura foi abandonada em seu uso jurídico,
isso não se deu em razão de um abrandamento dos costumes,
difícil de sustentar na perspectiva histórica que temos da
realidade social do século XIX; pois esse novo homem, abstraído
de sua consistência social, já não é digno
de crédito, nem em um nem no outro sentido desse termo; ou seja,
já não estando ele sujeito a pecar, não se pode dar
crédito à sua existência como criminoso, nem tampouco,
do mesmo modo, à sua confissão. Desde então, é
preciso que haja seus motivos, com os móveis do crime, e esses motivos
e esses móveis devem ser compreensíveis, e compreensíveis
para todos, o que implica - como o formulou uma das melhores mentes dentre
aquelas que tentaram repensar a "filosofia penal" em sua crise, e isto com
uma retidão sociológica digna de fazer com que se reveja um
esquecimento injusto, estamo-nos referindo a Tarde - o que implica, diz
ele, duas condições para a plena remonsabilidade do sujeito:
a similitude social e a identidade pessoal. [140]*
§72/ Portanto, está aberta ao psicólogo a porta do
pretório, e o fato de ele só raramente aparecer ali em pessoa
prova tão-somente a carência social de sua função.
§73/ A partir desse momento, a "situação de réu",
para empregar a expressão de Roger Grenier, já não
pode ser descrita senão como o encontro de verdades inconciliáveis,
como fica patente ao se assistir ao menor processo do Tribunal do Júri
em que um perito seja chamado a depor. É flagrante a falta de um
denomi¬nador comum entre as referências sentimentais em que se
confrontam o ministério público e o advogado, por serem as
do júri, e as noções objetivas que o perito traz, mas
que, pouco dialético, não consegue fazer apreender, por não
conseguir com elas obter uma conclusão de irresponsabilidade.
§74/ E podemos ver essa discordância, no espírito
do próprio perito, voltar-se contra sua função num
ressentimento que se manifesta com prejuízo de seu dever; pois já
houve o caso de um perito junto ao Tribunal que se recusou a qualquer outro
exame, afora o físico, de um réu aliás manifestamente
válido sob o aspecto mental, entrincheirando-se atrás do Código
sob a alegação de que não tinha que chegar a uma conclusão
sobre a realidade do ato imputado ao sujeito pelo inquérito policial,
embora uma perícia psiquiátrica o advertisse expressamente
de que um simples exame por esse ponto de vista demonstrava com certeza que
o ato em questão era de pura aparência e que, como gesto de
repetição obsessiva, não podia constituir, no local
fechado, embora vigiado, em que se havia produzido, um delito de exibicionismo.
§75/ Ao perito, no entanto, é conferido um poder quase discricionário
na dosagem da pena, por menos que ele se sirva do adendo acrescentado pela
lei, para sua utilização, ao artigo 64 do Código.
§76/ Mas, com o simples instrumento desse artigo, ainda que ele
não possa responder sobre o caráter coercitivo da força
que acarretou o ato do sujeito, ao menos pode descobrir quem sofreu
essa coerção.
§77/ A essa pergunta, porém, só o psicanalista pode
responder, na medida em que só ele tem uma experiência dialética
do sujeito.
§78/ Observe-se que um dos primeiros elementos cuja autonomia psíquica
essa experiência o ensinou a apreender, ou seja, o que a teoria aprofundou
progressivamente como representando a instância do eu, é também
aquilo que, no diálogo analítico, é [141]* declarado
pelo sujeito como sendo dele mesmo, ou, mais exatamente, aquilo que, tanto
por seus atos quanto por suas intenções, possui a declaração
do sujeito. Ora, dessa declaração Freud reconheceu a forma
que é mais característica da função que ela representa:
é a Verneinung, a denegação.
§79/ Poderíamos descrever aqui toda uma semiologia das formas
culturais pelas quais se comunica a subjetividade, a começar pela
restrição mental característica do humanismo cristão
– e que se recriminou tanto àqueles admiráveis moralistas que
foram os jesuítas por haverem codificado seu uso - continuando pelo
Kêtman, uma espécie de exercício de proteção
contra a verdade que Gobineau nos indica ser geral, em seus relatos tão
penetrantes sobre a vida social do Oriente Médio, e passando para
o Jang, cerimonial das recusas que a polidez chinesa estabelece como graus
no reconhecimento do outro, para reconhecer a forma mais característica
de expressão do sujeito na sociedade ocidental, no protesto de inocência,
e dizer que a sinceridade é o primeiro obstáculo encontrado
pela dialética na busca das verdadeiras intenções, parecendo
o uso primário da fala ter por fim disfarçá-las.
§80/ Mas, esse é apenas o afloramento de uma estrutura que
se encontra através de todas as etapas da gênese do eu, e mostra
que a dialética fornece a lei inconsciente das formações,
mesmo as mais arcaicas, do aparelho de adaptação, assim confirmando
a gnoseologia de Hegel, que formula a lei geradora da realidade no processo
tese-antítese-síntese. E decerto é instigante ver os
marxistas se esforçarem por descobrir, no progresso das noções
essencialmente idealistas que constituem as matemáticas, os vestígios
imperceptíveis desse processo, e desconhecerem sua forma ali onde
ela deve com mais probabilidade aparecer, isto é, na única
psicologia que manifestamente toca no concreto, por menos que sua teoria
se declare guiada por essa forma.
§81/ É ainda mais significativo reconhecê-la na sucessão
das crises - desmame, intrusão, Édipo, puberdade, adolescência
- que reformulam, cada uma delas, uma nova síntese dos aparelhos
do eu, numa forma cada vez mais alienante para as pulsões
que ali são frustradas, e cada vez menos ideal para as que ali encontram
sua normalização. Essa forma é produzida pelo fenômeno
psíquico mais fundamental, talvez, que a psicanálise descobriu:
a identificação, cujo poder formativo revela-se até
na biologia. E [142]* cada um dos chamados períodos de latência
pulsional (cuja série correspondente é complementada pelo
que Franz Wittels descobriu quanto ao ego adolescente) é caracterizado
pelo predomínio de uma estrutura típica dos objetos do desejo.
§82/ Um de nós descreveu, na identificação
do sujeito infans com a imagem especular, o modelo que ele considera
mais significativo, ao mesmo tempo que o momento mais original da relação
fundamentalmente alienante em que o ser do homem se constitui . dialeticamente.
§83/ Ele demonstrou também que cada uma dessas identificações
desenvolve uma agressividade que a frustração pulsional não
basta para explicar, a não ser na compreensão do common
sense, tão cara ao sr. Alexander, mas que exprime a discordância
que se produz na realização alienante: fenômeno cuja
noção podemos exemplificar através da forma caricata
que dele fornece a experiência com animais na ambigüidade crescente
(como a de uma elipse para um círculo) de sinais inversamente condicionados.
§84/ Essa tensão manifesta a negatividade dialética
inscrita nas próprias formas em que se entranham no homem as forças
da vida, e podemos dizer que o talento de Freud deu a medida dela ao reconhecê-la
como "pulsão do eu" sob o nome de instinto de morte.
§85/ Toda forma do eu encarna, com efeito, essa negatividade, e
podemos dizer que se Clotó, Láquesis e Átropos partilham
entre si o cuidado com nosso destino, é de comum acordo que elas torcem
o fio de nossa identidade.
§86/ Assim, como a tensão agressiva ao integrar a pulsão
frustrada cada vez que a falta de adequação do "outro" faz
abortar a identificação resolutiva, ela determina com isso
um tipo de objeto que se torna criminogênico na suspensão da
dialética do eu.
§87/ Foi da estrutura desse objeto que um de nós tentou
mostrar o papel funcional e a correlação com o delírio
em duas formas extremas de homicídio paranóico, o caso "Aimée"
e o das irmãs Papin. Este último caso comprova que só
o analista pode demonstrar, contrariando o sentimento comum, a alienação
da realidade do criminoso, num caso em que o crime dá a ilusão
de responder a seu contexto social.
§88/ São também essas estruturas do objeto que Anna
Freud, Kate Friedlander e Bowlby determinam, como analistas, nos casos de
furto em jovens delinqüentes, conforme neles se manifeste o [143]*
simbolismo do dom do excremento ou a reivindicação edipiana,
a frustração da presença nutriz ou a da masturbação
fálica - e a noção de que essa estrutura corresponde
a um tipo de realidade que determina os atos do sujeito guia a parte que
eles chamam de educativa em sua conduta para com eles.
§89/ Educação que é, antes, uma dialética
viva, segundo a qual o educador, através de seu não-agir,
leva as agressões próprias ao eu a se ligarem para o sujeito,
alienando-se em suas relações com o outro, para que ele possa
então desligá-las através das manobras da análise
clássica.
§90/ E, certamente, a engenhosidade e a paciência que admiramos
nas iniciativas de um pioneiro como Aichhorn não fazem esquecer que
sua forma tem que ser sempre renovada, para superar as resistências
que o “grupo agressivo’ não pode deixar de manifestar contra qualquer
técnica aceita.
§91/ Tal concepção da ação" correcional"
opõe-se a tudo o que possa inspirar uma psicologia que se rotula
de genética, a qual, na criança, só faz medir suas
aptidões decrescentes para responder às perguntas que lhe
são feitas no registro puramente abstrato das categorias mentais
do adulto, e que basta para derrubar a simples apreensão do fato
primordial de que a criança, desde suas primeiras manifestações
de linguagem, serve-se da sintaxe e das partículas de acordo com
nuances que os postulados da “gênese” mental só deveriam permitir-lhe
atingir no auge de uma carreira de metafísico.
§92/ E já que essa psicologia pretende atingir, sob esses
aspectos cretinizados, a realidade da criança, dizemos que é
ao pedante que podemos realmente advertir que ele terá de corrigir
seu erro, quando as palavras "Viva a morte", proferidas por lábios
que não sabem o que dizem, fizerem-no entender que a dialética
circula ardente na carne, junto com o sangue.
§93/ Essa concepção especifica ainda o tipo de perícia
que o analista pode fornecer da realidade do crime, fundamentando-se no
estudo do que podemos chamar de técnicas negativistas do eu, sejam
elas sofridas pelo criminoso ocasional ou dirigidas pelo criminoso contumaz:
a saber, a inutilização basal das perspectivas espaciais e
temporais exigi das pela previsão intimidante em que se fia ingenuamente
a chamada teoria "hedonista" da penalogia: a supressão progressiva
dos interesses no campo da tentação objetal, o retraimento
do campo da consciência, proporcional a [144]* uma apreensão
sonambúlica do imediato na execução do ato, e sua coordenação
estrutural com fantasias que dele ausentam o autor - anulação
ideal ou criações imaginárias em que se inserem, conforme
uma espontaneidade inconsciente, as denegações, os álibis
e as simulações em que se sustenta a realidade alienada que
caracteriza o sujeito.
§94/ Queremos dizer aqui que toda essa cadeia não tem comumente
a organização arbitrária de uma conduta deliberada,
e que as anomalias estruturais que o analista nela possa destacar serão,
para ele, outros tantos referenciais no caminho da verdade. Assim, ele interpretará
mais profundamente o sentido dos traços freqüentemente paradoxais
pelos quais se designa o autor do crime, e que menos significam os erros
de uma execução imperfeita do que os fiascos de uma "psicopatologia
cotidiana" por demais real.
§95/ As identificações anais, que a análise
descobriu nas origens do eu, dão seu sentido ao que a medicina
legal designa, no jargão policial, pelo nome de "cartão de
visita". A “assinatura” deixada pelo criminoso, muitas vezes flagrante, pode
indicar em que momento da identificação do eu se produziu
a repressão pela qual é possível dizer que o sujeito
não pode responder por seu crime, e também pela qual ele permanece
preso em sua denegação.
§96/ Até mesmo no fenômeno do espelho, em que um caso
recentemente publicado pela srta. Boutonier mostra-nos a mola de um despertar
do criminoso para a consciência daquilo que o condena.
§97/ Essas repressões, haveremos nós de recorrer,
para superá-las, a um desses métodos de narcose tão singularmente
promovidos à ordem do dia pelos sustos que provocam nos virtuosos
defensores da inviolabilidade da consciência?
§98/ Ninguém há de se extraviar menos que o psicanalista
nesse caminho, antes de mais nada porque, contrariando a mitologia confusa
em nome da qual os ignorantes esperam a “suspensão das censuras”,
o psicanalista sabe o sentido exato das repressões e definem os limites
da síntese do eu.
§99/ Por conseguinte, se ele já sabe que, no tocante ao
inconsciente recalcado, quando a análise o restaura na consciência,
é menos o conteúdo de sua revelação do que a
mola de sua reconquista que constitui a eficácia do tratamento, a
fortiori, no tocante às determinações inconscientes
que sustentam a própria afirmação [145]* do eu,
ele sabe que a realidade, quer se trate da motivação do sujeito,
quer, às vezes, de sua própria ação, só
pode aparecer através do progresso de um diálogo que o crepúsculo
narcótico só poderia tomar inconsistente. Aqui, como em outros
lugares, a verdade não é um dado que se possa captar em sua
inércia, mas uma dialética em marcha.
§100/ Não busquemos a realidade do crime, portanto, nem
tampouco a do criminoso, por meio da narcose. Os vaticínios que ela
provoca, desnorteantes para o investigador, são perigosos para o
sujeito, que, por menos que participe de uma estrutura psicótica,
pode encontrar nela o "momento fecundo" de um delírio.
§101/ A narcose, como a tortura, tem seus limites: não pode
fazer o sujeito confessar aquilo que ele não sabe.
§102/ Assim, nas Questões médico-legais, que
o livro de Zacchias nos atesta terem sido formuladas desde o século
XVII em torno da noção de unidade da personalidade e das possíveis
rupturas que nela pode introduzir a doença, a psicanálise
traz o aparato de exame que abarca mais um campo de ligação
entre a natureza e a cultura: aqui, o da síntese pessoal, em sua
dupla relação de identificação formal, por um
lado, que se abre para as hiâncias das dissociações
neurológicas (desde as crises epiléticas até as amnésias
orgânicas), e, por outro, de assimilação alienante,
que se abre para as tensões das relações grupais.
§103/ Aqui, o psicanalista pode apontar ao sociólogo as
funções criminogênicas próprias de uma sociedade
que, exigindo uma integração vertical extremamente complexa
e elevada da colaboração social, necessária a sua produção,
propõe aos sujeitos, aos que ele se dedica, ideais individuais que
tendem a se reduzir a um plano de assimilação cada vez mais
horizontal.
§104/ Essa fórmula designa um processo cujo aspecto dialético
podemos exprimir sucintamente, observando que, numa civilização
em que o ideal individualista foi alçado a um grau de afirmação
até então desconhecido, os indivíduos descobrem-se
tendendo para um estado em que pensam, sentem, fazem e amam exatamente as
mesmas coisas nas mesmas horas, em porções do espaço
estritamente equivalentes.
§105/ Ora, a noção fundamental da agressividade correlata
a qualquer identificação alienante permite discernir que deve
haver, nos fenômenos de assimilação social a partir
de uma certa escala quantitativa, um limite, no qual as tensões agressivas
uniformi[146]*zadas têm de se precipitar em pontos onde a massa
se rompe e se polariza.
§106/ Sabemos, aliás, que esses fenômenos, sob o simples
ponto de vista da produtividade, já chamaram a atenção
dos exploradores do trabalho que não ficam apenas nas palavras, e
justificaram, para a Hawthorne Western Electric, a despesa de um estudo
sistemático das relações de grupo em seus efeitos sobre
as disposições psíquicas mais desejáveis
nos empregados.
§107/ Uma separação completa, por exemplo, entre
o grupo vital, constituído pelo sujeito e pelos seus, e o grupo funcional,
em que devem ser encontrados os meios de subsistência do primeiro,
fato que basta ilustrar dizendo que ele torna verossímil o sr. Verdoux
- uma anarquia tão maior das imagens do desejo quanto mais elas parecem
gravitar progressivamente em tomo de satisfações escopofílicas,
homogeneizadas na massa social, e uma implicação crescente
das paixões fundamentais pelo poder, pela posse e pelo prestígio
nos ideais sociais, são outros tantos objetos de estudos para os
quais a teoria analítica pode oferecer ao estatístico coordenadas
corretas para introduzir suas mensurações.
§108/ Assim, o próprio político e o filósofo
se beneficiarão disso, conotando, numa dada sociedade democrática
cujos costumes estendem sua dominação sobre o mundo, o surgimento
de uma criminalidade recheando o corpo social, a ponto de assumir nele formas
legalizadas, a inserção do tipo psicológico do criminoso
entre os do recordista, do filantropo ou da estrela famosa, ou então
sua redução ao tipo geral da servidão do trabalho,
com a significação social do crime reduzida a seu uso publicitário.
§109/ Essas estruturas, nas quais uma assimilação
social do indivíduo, levada ao extremo, mostra sua correlação
com uma tensão agressiva cuja relativa impunidade no Estado é
muito perceptível para um sujeito de uma cultura diferente (como
era, por exemplo, o jovem Sun Yat Sen), aparecem invertidas quando, segundo
um processo formal já descrito por Platão, a tirania sucede
à democracia e efetua com os indivíduos, reduzidos a seu número
ordinal, o ato cardinal da adição, prontamente seguido pelas
outras três operações fundamentais da aritmética.
§110/ É assim que, na sociedade totalitária, se a
"culpa objetiva" dos dirigentes faz com que eles sejam tratados como criminosos
e responsáveis, o apagamento relativo dessas noções,
indicado [147]* pela concepção sanitária da
penalogia, rende frutos para todos os outros. Abre-se o campo de concentração,
para cuja alimen¬tação as qualificações
intencionais da rebelião são menos decisivas do que uma certa
relação quantitativa entre a massa social e a massa excluída.
§111/ Sem dúvida será possível avaliá-lo
nos termos da mecânica desenvolvida pela chamada psicologia de grupo,
permitindo determinar a constante irracional que deve corresponder à
agressividade característica da alienação fundamental
do indivíduo.
§112/ Assim, na injustiça mesma da polis - sempre incompreensível
para o "intelectual" submetido à "lei do coração" -
revela-se o progresso em que o homem se cria à sua própria
imagem.
SECÇÃO 05. Da inexistência dos" instintos criminosos":
a psicanálise detém-se na objetivação do Isso
e reivindica a autonomia de uma experiência irredutivelmente subjetiva.
§113/ Se a psicanálise traz os esclarecimentos que dissemos
à objetivação psicológica do crime e do criminoso,
não terá ela também uma palavra a dizer sobre seus
fatores inatos?
§114/ Observemos, primeiramente, a crítica a que convém
submeter a idéia confusa em que se fiam muitos homens de bem: a que
vê no crime uma irrupção dos" instintos" que derrubam
a "barreira" das forças morais de intimidação. É
uma imagem difícil de extirpar, pela satisfação que
dá até mesmo às cabeças sisudas, ao lhes mostrar
o criminoso fortemente guardado e o guarda tutelar, que, por ser característico
de nossa sociedade, passa aqui a uma tranqüilizadora onipresença.
§115/ Pois, se o instinto significa efetivamente a incontestável
animalidade do homem, não vemos por que esta seria mais dócil
por estar encarnada num ser racional. A forma do adágio homo homini
lupus é enganosa quanto a seu sentido, e Balthazar Gracian, num
capítulo de seu Criticon, inventa uma fábula em que
mostra o que quer dizer a tradição moralista ao exprimir que
a ferocidade do homem em relação a seu semelhante ultra¬passa
tudo o que podem fazer os animais, e que, ante a ameaça que ela representa
para a natureza inteira, os próprios carniceiros recuam horrorizados.
[148]*
§116/ Mas essa própria crueldade implica a humanidade. É
um semelhante que ela visa, mesmo num ser de outra espécie. Nenhuma
experiência sondou mais que a do analista, na vivência, a equivalência
de que nos adverte o patético apelo do Amor - é a ti mesmo
que atinges - e a gélida dedução do Espírito:
é na luta mortal de puro prestígio que o homem se faz reconhecer
pelo homem.
§117/ Se, num outro sentido, designam-se por instintos certas condutas
atávicas cuja violência teria sido exigida pela lei da selva
primitiva, e que qualquer enfraquecimento fisiopatológico libertaria,
à maneira dos impulsos mórbidos, do nível inferior
em que elas estariam contidas, podemos indagar-nos por que, desde que o
homem é homem, também não se revelaram nele impulsos
de lavrar, plantar, cozinhar, ou até mesmo de enterrar os mortos.
§118/ A psicanálise decerto comporta uma teoria dos instintos,
bastante elaborada e, para dizer a verdade, a primeira teoria verificável
que deles se fez no homem. Mas ela os mostra comprometidos com um metamorfismo
em que a fórmula de seu órgão, de sua direção
e de seu objeto é uma faca de Jeannot (02) com peças infinitamente
intercambiáveis. Os Triebe ou pulsões que ali se isolam
constituem apenas um sistema de equivalências energéticas em
que referenciamos as trocas psíquicas, não na medida em que
elas se subordinem a alguma conduta inteiramente montada, natural ou adquirida,
mas na medida em que simbolizam, ou integram dialeticamente, as funções
dos órgãos em que aparecem as trocas naturais, isto é,
os orifícios bucal, anal e gênito-urinário.
_____________
02: "Como a faca de Jeannot"; expressão que
designa algo que conserva o mesmo nome mas que não tem mais nada
do que antes a constituía. Locução extraída
de Jeannot, personagem de comédia, parvo e ingênuo, que conta
possuir uma faca há muitos anos da qual trocou várias vezes
a lâmina e o cabo continuando a dizer que se trata da mesma faca.
(N.E.)
§119/ Por conseguinte, essas pulsões só nos aparecem
em ligações muito complexas, onde sua própria deformação
não pode fazer com que se prejulgue sua intensidade originária.
Falar de um excesso de libido é uma formulação desprovida
de sentido.
§120/ Se há de fato uma noção que se depreende
de um grande número de indivíduos, capazes, tanto por seus
antecedentes [149]* quanto pela impressão "constitucional"
que se retira do contato com eles e de seu aspecto, de dar a idéia
de "tendências criminosas", trata-se mais de uma deficiência
que de um excesso vital. A hipogenitalidade deles é freqüentemente
manifesta, e seu clima irradia frieza libidinal.
§121/ Se numerosos sujeitos, em seus delitos, exibições,
furtos, calotes e difamações anônimas, ou nos crimes
da paixão homicida, encontram e buscam um estímulo sexual,
este, sejam quais forem os mecanismos que o causam, angústia, sadismo
ou associação situacional, não poderia ser tido como
um efeito de transbordamento dos instintos.
§122/ Seguramente, é evidente a correlação
de numerosas perversões nos sujeitos que vão a exame criminológico,
mas ela só pode ser psicanaliticamente avaliada em função
da fixação objetal, da estagnação do desenvolvimento,
da implicação, na estrutura eu, dos recalques neuróticos
que constituem o caso individual.
§123/ Mais concreta é a noção com que nossa
experiência completa a tópica psíquica do indivíduo
- a do Isso -, porém, igualmente, quão mais difícil
que as outras de apreender.
§124/ Fazer a soma das predisposições inatas é
uma definição puramente abstrata e sem valor de uso.
§125/ O termo constante situacional, fundamental naquilo que a
teoria designa por automatismos de repetição, parece relacionar-se
com isso, deduzidos os efeitos do recalcado e das identificações
do eu, e pode ser de interesse nos casos de recidiva.
§126/ O Isso também implica, sem dúvida, as
escolhas fatais manifestas no casamento, na profissão ou na amizade,
e que amiúde aparecem no crime como uma revelação das
figuras do destino.
§127/ As "tendências" do sujeito, por outro lado, não
deixam de mostrar deslizamentos ligados ao nível de sua satisfação.
Gostaríamos de levantar a questão dos efeitos que pode ter
aí um certo indício de satisfação criminosa.
§128/ Mas, nesse ponto, talvez estejamos nos limites de nossa ação
dialética, e a verdade que nos é dado reconhecer com o sujeito
não pode ser reduzida à objetivação científica.
§129/ Pela confissão que recebemos do neurótico ou
do perverso sobre o gozo inefável que eles obtêm ao se perderem
na imagem fascinante, podemos avaliar o poder de um hedonismo que nos introduzirá
nas relações ambíguas da realidade com o prazer. Se,
ao nos referirmos a esses dois grandes princípios, descreve[150]*mos
o sentido de um desenvolvimento normativo, como não ser captados
pela importância das funções fantasísticas nos
motivos desse progresso, e quão cativa permanece a vida humana da
ilusão narcísica que sabemos tecer suas coordenadas mais "reais"?
E, por outro lado, já não está tudo pesado, junto ao
berço, nas incomensuráveis balanças da Discórdia
e do Amor?
§130/ Para-além dessas antinomias que nos levam ao limiar
da sabedoria, não há crime absoluto, e existem ainda, malgrado
a ação policial estendida por nossa civilização
ao mundo inteiro, associações religiosas ligadas por uma prática
do crime, onde seus adeptos sabem encontrar as presenças sobre-humanas
que, no equilíbrio do Universo, zelam pela destruição.
§131/ Para nós, dentro dos limites que nos esforçamos
por definir como aqueles a que nossos ideais sociais reduzem a compreensão
do crime, e que condicionam sua objetivação criminológica,
se nos é possível trazer uma verdade de um rigor mais justo,
não nos esqueçamos de que devemos isso a uma função
privilegiada: a do recurso do sujeito ao sujeito, que inscreve nossos deveres
na ordem da fraternidade eterna: sua regra é também a regra
de toda ação permitida a nós. [151]*
______________
Notas:
*. Número da página
dos Escritos (Jorge Zahar).
Nota da BSFREUD:
Texto escaneado por José Luiz Caon e publicado aqui por sua gentil
autorização.
Fonte: LACAN, J. Escritos; trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 1998, pp. 127-51.