AS FENÍCIAS
DE EURÍPEDES
P R Ó L O G O
JOCASTA
Ó tu, que entre todas as estrelas cintilantes
marcas tua rota no céu, e acomodado
num carro de ouro, Hélio, obrigas, incansável,
teus rápidos corcéis a conduzirem sempre
teu fogo em volta ao mundo,
que luz desastrosa
lançastes um dia sobre Tebas muito antiga
quando o fenício Cadmo entrou neste país
depois de haver abandonado o território
de sua pátria banhada pelo mar?
Há muito tempo sua mulher, a cíprida Harmonia,
deu-lhe o filho desejado, Polidoro, do qual dizem ser filho
o velho Lábdaco, pai de Laio infeliz.
Chamam-me todos de filha de Meneceu,
e tenho um irmão de pai e mãe, Creonte;
deu-me meu próprio pai o nome de Jocasta.
Laio escolheu-me para ser sua mulher,
mas como partilhássemos o leito
por muitos anos sem frutificar,
ele foi procurar Febo pedindo-lhe filhos homens
para partilhar de nossa mesa. 16
Disse-lhe o Deus: Rei de Tebas dos belos corcéis,
não ponhas tua semente na greta da vida
contra a força dos deuses.
Se procriares, teu filho te matará
e toda tua casa se cobrirá de sangue.
Mas bêbado, cedendo ao prazer, ele me fez mãe.
Após o ato, ele compreendeu sua falta e a palavra do deus.
Mandou então uns pastores exporem a criança
no monte Citerão, na vertente dedicada a Hera,
com os delicados tornozelos transpassados
por ferros aguçados, daí o nome Oidipon – pés inchados –
que lhe deu a Hélade. 27
Mas os pastores que cuidavam os cavalos de Pólibo
recolheram-no a casa do rei
deixando-o aos cuidados de sua senhora.
O fruto doloroso das minhas entranhas
ela amamentou junto ao seio
fazendo seu esposo acreditar que ela mesma o dera à luz.
Já lhe dourava as faces leve lanugem viril quando meu filho,
quer por ter compreendido a verdade, quer tenha ele a ouvido de outro,
quis esclarecer sua origem
e dirigiu-se a morada de Febo
no mesmo momento em que Laio, meu marido,
buscava saber se a criança exposta ainda vivia.
Os passos de ambos os levaram à Fócida,
no mesmo lugar onde o caminho se bifurca.
Então o auriga de Laio lhe ordenou:
- Saia da frente, estranho. Dá passagem ao tirano.
Mas meu filho, altivo, seguiu seu caminho em silêncio
e os cavalos, fustigados, feriram-lhe os calcanhares.
Então – para que detalhes estranhos à catástrofe? –
o filho matou o pai, apoderou-se da carruagem
e ofereceu-a como troféu a Pólibo. 44
Nessa época, quando a Esfinge assolava a cidade
e meu esposo não estava mais, Creonte, meu irmão,
ofereceu meu himeneu a quem decifrasse o enigma
da virgem sutil. Por um acaso
foi meu filho Édipo que interpretou o canto da Esfinge.
Como prêmio da façanha ele ganhou o cetro de Tebas,
tornando-se com isso o tirano dessa Terra. 52
Sem o saber, o infeliz casou com sua mãe
e eu não imaginava estar deitando com meu filho.
Do meu menino tive dois meninos, 55
Etéocles glorioso e Polinices, todo vigor.
Tive depois duas filhas. Uma recebeu de seu pai
o nome de Ismene; a outra, mais velha, chamei-lhe Antígona.
Mas descobrindo que esposara sua mãe, sofrendo de dor
Édipo perfurou os olhos de modo espantoso. Com o pino
de um broche de ouro ele encharcou seus olhos de sangue.
Depois, quando a barba já escurecia a face dos meninos,
eles o trancaram a chave, buscando esquecer um destino
que exigiria muitas astúcias. 65
Ele vive ainda, no interior do palácio. Ferido pela sorte,
lança maldições aos filhos: que disputem o palácio na espada.
Temerosos de que os deuses garantissem
a imprecação paterna se ambos vivessem juntos
conveniaram que o mais moço, Polinices,
começaria por se exilar voluntariamente
e que Etéocles ficaria para garantir o cetro, durante um ano
conforme seu turno. Mas com o timão nas mãos
Etéocles recusou-se a entregar o trono
expulsando Polinices ao exílio.
Desarvorado, viaja para Argos, entra para a família de Adrasto
e ganha um exército de escudos argivos a seu comando.
Chega agora às nossas muralhas de sete portas,
reclama o cetro e quer sua parte da terra. 80
Eu, buscando resolver a polêmica, convenci meus filhos
a um armistício para conversarem antes do encontro com as lanças.
Sua chegada é anunciada pelo mensageiro que enviei.
Ó luminoso Zeus, tu que moras no céu
socorre-nos, concede um acordo aos meus filhos. 85
Se tu és dotado de sabedoria,
não deves deixar sempre o mesmo mortal na desgraça.
F i m
Texto estabelecido por
Luiz-Olyntho Telles da Silva
a partir das traduções de
MÁRIO DA GAMA KURY,
DONALDO SCHÜLER,
LOUIS MÉRIDIER & FERNAND CHAPOUTHIER,
por compração com o texto grego de
EURÍPIDES
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